16/08/2019
Ano 22 - Número 1.137
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
UMA BARRACA NA FEIRA |
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A mocinha tinha apenas um pequeno tabuleiro e, sobre uma toalha de plástico,
encardida, uma bandeja, alguns pastéis e uma garrafa térmica com café, não
muito limpa. Mesmo assim parei e pedi um cafezinho, que me foi servido
naquele incômodo copinho de plástico que amassa e queima a mão. Ela me
ofereceu um pastel, disse que ela mesma fizera. Aceitei. Não estava
ruim. Tinha o mesmo gosto de todos os pastéis de feira, mas estava frio.
A roupa da moça era simples, pobre, apenas um gorro de plástico na cabeça
a distinguia das outras pessoas das das barracas, e ela o ajeitava a todo
instante, como se aquilo fosse uma divisa, um signo. Quando fui pagar,
me perguntou se gostei, se estava bom.
Respondi que sim mas,
intrometido que sou, acrescentei: “se você colocar salsinha, cebolinha,
etc., fica melhor. Fica diferente dos outros”. E a aconselhei a montar uma
barraca, o tabuleiro não atraía os fregueses e... na barraca dá um ar de
limpeza. Ela abaixou os olhos, como se envergonhasse por seu
tabuleiro, pela roupa encardida... e disse que arrumar um lugar pra uma
barraca era difícil. Eu disse a ela que falasse com o fiscal da
feira... Quem sabe ela conseguiria?
Ela montou a barraca. O gorro
de plástico foi substituído por um de tecido. Agora, fritava os pastéis na
hora e, me mostrou, alegre, duas pequenas vasilhas: uma com salsa outra
com cebolinha picadas: “Os fregueses escolhem”, ela disse. “Estou vendendo
bem!” Comi um pastel com os temperos. Estava quente e saboroso.
Passei algum tempo sem ir à feira. Hoje voltei e, como antes, quis
tomar o café e comer o pastel da moça. Ela me cumprimentou com alegria,
mostrando sua nova barraca, um pouco maior que a primeira. Havia pão de
queijo, empadas, etc., etc. e eu vendo risoles, fui pegar um, enquanto ela
me servia o café.
“Não!”, ela gritou. “Não pode pôr a mão!”. E,
com um guardanapo de papel, pegou o risole e me serviu num pratinho, sobre
um guardanapo branco, de papel. Só então notei que ela usava luvas
plásticas transparentes, trocara o chapéu por outro mais alto e
limpíssimo, desses usados pelos cozinheiros de restaurantes chiques, e
estava orgulhosa por isto. Tudo na barraca demonstrava limpeza, asseio.
Fiquei feliz e, quando fui pagar, ela se afastou, dizendo: “Eu
não posso tocar em dinheiro, Braz. Não posso contaminar meus produtos!”.
E, com um grande sorriso, continuou: “Agora tenho uma secretária que cuida
das finanças. É minha mãe...”.
Achei engraçado a palavra “finanças”
e uma senhora, que estava sentada no fundo da barraca, levantou-se, pegou
o dinheiro e o colocou num grande bolso no avental também brilhando de
limpeza.
A moça falou: “Não some, não, Braz. Estou estudando
culinária na internet, mês que vem vou fazer novas receitas!”. Percebi,
então, seu orgulho por ser, agora, uma pessoa que estava ganhando o
dinheiro suficiente para a vida, uma pessoa limpa, que sente amor pelo que
faz. E notei que tudo estava mais cheiroso, tudo estava mais gostoso,
todos os pastéis estavam recheados de amor, de trabalho e de conquista.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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