16/07/2019
Ano 22 - Número 1.133
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
O CÃO DE MAMBORÊ |
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Para Milton Nascimento
Li, na grande imprensa, uma notícia que me enterneceu e fez meditar sobre
a condição humana: no município de Mamborê, no Paraná, um cachorro vira-latas
foi morar no cemitério para ficar ao lado de seu dono recém-falecido. Não
queria se separar daquele a quem amou e, quem sabe?, continuará amando até seu
próprio fim.
Este fato, além de mostrar a fidelidade do animal, nos revela
uma faceta de nossos sentimentos que estamos esquecendo: a amizade.
Houve
um tempo em que a amizade era cultivada, durava, e, quando havia desavenças
entre os amigos eles se procuravam, ouviam, se explicavam e os laços eram
reatados com pedidos de desculpas, talvez lágrimas, e um grande abraço.
Milton Nascimento, em CANÇÃO DA AMÉRICA, diz que “Amigo é coisa pra se
guardar/debaixo de 7 chaves/dentro do coração...”, mas parece que hoje, quando
todos ficamos virtualmente mais próximos, nos distanciamos em sentimentos.
Podemos conversar diariamente, numa linguagem moderna, de teclas, mas não
ouvimos as alegrias ou tristezas no tom da voz, no brilho ou embaçar dos
olhos, no toque, nos silêncios. Falta a aproximação humana, a mais importante
das aproximações.
Claro, isto não é culpa do computador, este objeto tão
útil, mas da transformação de nossas próprias almas, mais preocupadas com o
acúmulo, com a frieza das moedas, que contamos levando os dedos aos lábios
como se a elas transmitíssemos o beijo que antes era reservado às pessoas
queridas.
Amizade está se tornando apenas uma palavra e, raramente, num
gesto de um solitário coveiro que alimenta o cão e, por não saber seu nome
anterior, o batizou de Rambo, porque ele ataca qualquer outro animal que se
aproxima do túmulo.
Rambo nunca mais ouvirá a voz de seu velho companheiro,
mas, como diz a canção, “o que importa é ouvir a voz que vem do coração./Pois,
seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia amigo eu volto a te
encontrar/Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar”. E bem aventurado é
aquele que percebe este dia, este encontro.
E aqui abro um parêntese para
chamar a atenção dos leitores para a ironia: O nome do herói violento,
sanguinário, criado por Silvestre Stallone, foi dado ao guardião do túmulo de
um homem que nunca usou armas, que esbanjou carinho e amou a seu cão como a si
mesmo.
É provável que “amizade” tenha vindo de AMICUS, palavra latina,
derivada de amore, que em português quer dizer amor, sentimento que nos
transforma. Em diversas religiões a Amizade, de tão importante, foi
santificada e, nos evangelhos canônicos – provavelmente de Lucas – dizem que
Jesus declarou que “Nenhum amor pode ser mais que este, o de sacrificar a
própria vida por seus amigos”.
Fecho o parêntese e constato que hoje, mais
que nunca, o homem sente o peso da solidão. Afasta-se da ligação cósmica e
flutua no vácuo, no nada. Me dou conta que, muitas vezes, andando pelas ruas,
observo o olhar atônito, triste, daqueles que aniquilaram seus sentimentos e
descobriram que não têm outra coisa para substituí-los, para colocar no lugar
vazio. Como são tristes estas pessoas.
Em minha imaginação, vejo-as nas
noites solitárias, sentadas diante da TV, tentando a aproximação, o amor ou a
amizade com os personagens fictícios dos filmes ou das novelas. Sei que,
muitas vezes, estas pessoas choram por pena deste ou daquele personagem, mas o
que sentem é pena de si mesmas.
Nascemos para ser livres. Nascemos para ser
felizes. E uma forma de liberdade e de felicidade é termos um amigo que
reparta conosco o bom e o ruim, a tristeza e a alegria. Que troque conosco a
compreensão do que é amizade e, como nosso cantor, espalhe pelo mundo que
“Amigo é coisa pra se guardar/debaixo de 7 chaves/dentro do coração”.
Publicado originariamente em
14/10/2011 no CooJornal, edição 757.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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