01/04/2019
Ano 22 - Número 1.119





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BRAZ CHEDIAK 



 

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Braz Chediak



FILHOTES

Quando os sanhaços começaram a fazer o ninho na varanda o velho os espantava: não tinha mais forças para limpar o chão, não queria que os pássaros o sujasse com capins e fezes.
Não adiantava. Era só entrar em casa que eles recomeçavam.
Quando o ninho estava pronto, o velho tentou derrubá-lo com o cabo de vassoura mas, como não tinha escada, não os alcançou.
Os sanhaços chocaram.
Os filhotes nasceram, o velho percebeu por seus piados fraquinhos.

Como aquele ruído constante o incomodava, o velho passou a deixar algumas bananas numa pequena vasilha, na varanda, para que os pais não precisassem ir longe pra procurar comida.
Pelo som, percebia o crescimento dos pássaros e não via a hora deles irem embora e não o chateassem mais.

Numa segunda-feira quando fechava a casa para dormir, sentiu um cheiro forte: dois homens faziam capina química nas ruas com Roundup, um poderoso veneno que queima os capins.
O velho notou que o piar dos filhotes estava mais forte e que as frutas que colocara naquele dia não foram tocadas. E, de longe, viu, perto do Rio Verde, os passarinhos mortos.
Foram envenenados pelo Roundup.
Parou diante do ninho e sentiu o piar de desespero.
Entrou em casa nervoso, fechou as janelas, as persianas, mas os piados o perseguiam, estavam em todos os lugares.
Trancou-se em seu quarto, mas não conseguiu dormir.
Sabia que os pássaros não piam à noite, mas aqueles filhotes piavam.
Levantou-se. Foi até à cozinha e pegou o querosene embaixo da pia.
Jogou a garrafa aberta no peitoril da varanda, viu o líquido escorrer pelas madeiras, nas paredes...
Tirou do bolso uma caixa de fósforo...

Pensou em seu filho, quando chorava no horário das mamadeiras. Pensou em seu neto...
E um grande sentimento de tristeza se apossou dele.
Voltou ao quarto e anotou num pedaço de papel:
“Comprar ração para sanhaços...”, que colocou ao lado da chave da casa, para não esquecer.
Amanhã arrumaria uma escada, subiria até o ninho, trataria dos filhotes, decidiu.
Decidiu e, naquele momento, tudo ficou quieto.
Tão quieto que o velho ouviu o farfalhar de outros pássaros voando na beira do rio, ouviu a algazarra de crianças comendo suculentos sanduíches na praça que ficava longe de sua casa, o silêncio de outros velhos, como ele, tomando, vagarosamente, sopas fumegantes no asilo distante...
O velho ouviu tudo e sentiu paz.
Uma estranha e gostosa paz.
Inclinou-se levemente sobre o travesseiro e...
Em seus lábios havia um sorriso.
Um sorriso de quem estava feliz!
De quem, de agora em diante, estaria sempre feliz.
De quem, de agora em diante, compreenderia todos os sons, de todas as matérias, de tudo o que é vida.

- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, ao autor:  brazchediak@gmail.com


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG


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