Braz Chediak
FILHOTES |
|
Quando os sanhaços começaram a fazer o ninho na varanda o velho os espantava:
não tinha mais forças para limpar o chão, não queria que os pássaros o sujasse
com capins e fezes. Não adiantava. Era só entrar em casa que eles
recomeçavam. Quando o ninho estava pronto, o velho tentou derrubá-lo com o
cabo de vassoura mas, como não tinha escada, não os alcançou. Os sanhaços
chocaram. Os filhotes nasceram, o velho percebeu por seus piados
fraquinhos.
Como aquele ruído constante o incomodava, o velho passou a
deixar algumas bananas numa pequena vasilha, na varanda, para que os pais não
precisassem ir longe pra procurar comida. Pelo som, percebia o crescimento
dos pássaros e não via a hora deles irem embora e não o chateassem mais.
Numa segunda-feira quando fechava a casa para dormir, sentiu um cheiro
forte: dois homens faziam capina química nas ruas com Roundup, um poderoso
veneno que queima os capins. O velho notou que o piar dos filhotes estava
mais forte e que as frutas que colocara naquele dia não foram tocadas. E, de
longe, viu, perto do Rio Verde, os passarinhos mortos. Foram envenenados
pelo Roundup. Parou diante do ninho e sentiu o piar de desespero.
Entrou em casa nervoso, fechou as janelas, as persianas, mas os piados o
perseguiam, estavam em todos os lugares. Trancou-se em seu quarto, mas não
conseguiu dormir. Sabia que os pássaros não piam à noite, mas aqueles
filhotes piavam. Levantou-se. Foi até à cozinha e pegou o querosene
embaixo da pia. Jogou a garrafa aberta no peitoril da varanda, viu o
líquido escorrer pelas madeiras, nas paredes... Tirou do bolso uma caixa de
fósforo...
Pensou em seu filho, quando chorava no horário das
mamadeiras. Pensou em seu neto... E um grande sentimento de tristeza se
apossou dele. Voltou ao quarto e anotou num pedaço de papel: “Comprar
ração para sanhaços...”, que colocou ao lado da chave da casa, para não
esquecer. Amanhã arrumaria uma escada, subiria até o ninho, trataria dos
filhotes, decidiu. Decidiu e, naquele momento, tudo ficou quieto. Tão
quieto que o velho ouviu o farfalhar de outros pássaros voando na beira do
rio, ouviu a algazarra de crianças comendo suculentos sanduíches na praça que
ficava longe de sua casa, o silêncio de outros velhos, como ele, tomando,
vagarosamente, sopas fumegantes no asilo distante... O velho ouviu tudo e
sentiu paz. Uma estranha e gostosa paz. Inclinou-se levemente sobre o
travesseiro e... Em seus lábios havia um sorriso. Um sorriso de quem
estava feliz! De quem, de agora em diante, estaria sempre feliz. De
quem, de agora em diante, compreenderia todos os sons, de todas as matérias,
de tudo o que é vida.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
Direitos Reservados É proibida
a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou
impresso, sem autorização do autor.
|