Braz Chediak
O ARCO-ÍRIS
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No rádio sobre a cristaleira da sala, Cascatinha e Inhana cantavam
“Índia” e, logo em seguida, o locutor fazia o anúncio dos patrocinadores:
melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal...
Quando começava a
trovejar minha avó pegava uma lata com palhas bentas e esparramava a fumaça
pela casa, murmurando suas orações. Meu avô, vestido de pijama, desligava o
rádio, tirava o plug da tomada, observava tudo e, quando a chuva despencava,
me gritava para fechar a vidraça.
Trepado numa cadeira, eu observava a
enxurrada carregando folhas, galhos, latas e sapatos velhos. As tempestades
eram mistérios que eu temia.
Quando cessavam, a vida na Rua da Cotia
recomeçava, cada mulher contando os estragos que o vento tinha feito em sua
casa, os homens examinando telhados, as crianças brincando descalças nos
pequenos riachos que ainda corriam nas sarjetas, gritando: “O arco-íris... O
arco íris...”
Meus avós eram velhos e eu pensava que sempre foram
assim. Não podia compreender que há infância, juventude, velhice, morte.
Aliás, a morte acontecia em outras paragens, não em nossa casa.
O tempo
passava devagar. Mas, de repente...
De repente, como escreveu Alarcon,
“o que se passou, então? A vida. E eu estou velho”. E, como todo velho, vivo
da memória e, às vezes, misturo as coisas.
Da varanda vejo o céu
escurecer. As nuvens estão carregadas, é a chuva que trará o frio.. gotas
grandes começam a cair e, como não devo tomar vento, entro em casa.
Escrevo num pedaço de papel o que preciso fazer amanhã. Furando-o no meio,
enfio no buraco a chave da casa e, em seguida, coloca-a na fechadura. Assim
não esqueço.
Meus avós e meus pais morreram, há muitos anos, minhas
mulheres morreram ou partiram. As tempestades não são mais mistérios.
Pela fresta da janela observo a água carregando folhas, galhos... e ouço as
crianças lá fora, correndo pelos riachos que descem a rua, rentes às calçadas,
gritando, “O arco-íris... O arco-íris”.
Anoitece.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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