16/01/2019
Ano 22 - Número 1.109




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BRAZ CHEDIAK 




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Braz Chediak



O ARCO-ÍRIS



No rádio sobre a cristaleira da sala, Cascatinha e Inhana cantavam “Índia” e, logo em seguida, o locutor fazia o anúncio dos patrocinadores: melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal...

Quando começava a trovejar minha avó pegava uma lata com palhas bentas e esparramava a fumaça pela casa, murmurando suas orações. Meu avô, vestido de pijama, desligava o rádio, tirava o plug da tomada, observava tudo e, quando a chuva despencava, me gritava para fechar a vidraça.

Trepado numa cadeira, eu observava a enxurrada carregando folhas, galhos, latas e sapatos velhos. As tempestades eram mistérios que eu temia.

Quando cessavam, a vida na Rua da Cotia recomeçava, cada mulher contando os estragos que o vento tinha feito em sua casa, os homens examinando telhados, as crianças brincando descalças nos pequenos riachos que ainda corriam nas sarjetas, gritando: “O arco-íris... O arco íris...”

Meus avós eram velhos e eu pensava que sempre foram assim. Não podia compreender que há infância, juventude, velhice, morte. Aliás, a morte acontecia em outras paragens, não em nossa casa.

O tempo passava devagar. Mas, de repente...

De repente, como escreveu Alarcon, “o que se passou, então? A vida. E eu estou velho”. E, como todo velho, vivo da memória e, às vezes, misturo as coisas.

Da varanda vejo o céu escurecer. As nuvens estão carregadas, é a chuva que trará o frio.. gotas grandes começam a cair e, como não devo tomar vento, entro em casa.

Escrevo num pedaço de papel o que preciso fazer amanhã. Furando-o no meio, enfio no buraco a chave da casa e, em seguida, coloca-a na fechadura. Assim não esqueço.

Meus avós e meus pais morreram, há muitos anos, minhas mulheres morreram ou partiram. As tempestades não são mais mistérios.

Pela fresta da janela observo a água carregando folhas, galhos... e ouço as crianças lá fora, correndo pelos riachos que descem a rua, rentes às calçadas, gritando, “O arco-íris... O arco-íris”.

Anoitece.

- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, ao autor:  brazchediak@gmail.com


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG


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