27/05/2011
Ano 14 - Número 737
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
SOBRE ROMANTISMO E CÃES
|
|
Em pesquisa, com 2.000 adultos, encomendada pela Warner Home Vídeos para o
lançamento da comédia romântica “COM O PÉ NA ESTRADA”, os britânicos
escolheram uma frase do romance O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, de Emily
Bronte, como sendo a mais romântica da literatura inglesa. É a declaração
feita por Catherine Earnshaw sobre o amor por Heathcliff: "Seja do que for
que nossas almas são feitas, a dele e a minha são iguais".
Em seguida vem a frase de Winnie Puff, o ursinho criado pelo escritor
A.A.Milne: “Se você viver até os 100 anos, espero viver até ter 100 anos
menos um dia, para que eu nunca precise viver sem você”.
Logo depois, quem diria, 3º lugar?, está o verso de Romeu e Julieta, de
Shakespeare: “Mas, espere! Que luz é essa que surge na janela? É o leste,
e Julieta é o sol”.
Lendo assim, de repente, a pesquisa parece uma coisa fútil, mas quando
pensamos no mundo atual, onde os sentimentos mais profundos são
substituídos pela ganância, o enriquecer rápido e tantas outras mazelas,
nos damos conta que o ser humano está perdendo, pouco a pouco, sua alma.
Ou melhor: A está transformando numa alma Pop, na qual não há lugar para o
Romantismo e, consequentemente, para o amor.
Hoje, “ficar” é melhor que “amar”. Até mesmo o corpo, tão cultivado, não
está sendo aceito como é e o moldamos com drogas “milagrosas”, aparelhos
“duvidosos”, bronzeadores e clareadores, onduladores e alisadores de
cabelos e, pior ainda, perdemos a percepção nossa cor, que, seja ela qual
for, é única e bela. Que nosso cheiro é nosso cheiro, nossa voz é nossa
voz. E assim por diante.
Também o afeto está correndo perigo. Todos os dias, lendo os jornais ou
vendo as TVs, encontramos o desamor que se transforma numa violência
absurda: são mulheres agredidas ou mortas por seus maridos ou amantes, são
crianças violentadas, são homens assassinados por uma pedra de crack, ou
oxi, esta droga que, rapidamente, está tomando conta de todos os países.
“Deus e o diabo estão em luta na terra, o campo de batalha é o coração dos
homens”, disse Dostoiévski em OS IRMÃOS KARAMAZOV. E nós nos acovardamos
nesta luta, perdemos a ligação com o Todo, a divina ligação cósmica, e nos
entregamos ao demônio do dinheiro, da propaganda, etc., etc.
Em CRIME E CASTIGO, Dostoiévski nos ensina que “o homem é capaz de
racionalizar tudo o que faz - até mesmo um crime bárbaro. A racionalização
que Raskolnikov faz ao planejar o assassinato de Aliova Ivanovna, uma
mulher velha, feia e avarenta (logo, a seu ver, uma pessoa execrável) é um
dos textos mais sufocantes da literatura mundial, que põe em evidência o
túnel insondável da alma humana, o pântano (a expressão é de Nelson
Rodrigues) que o homem carrega dentro de si, onde vive, por assim dizer, a
herança inassimilada do nosso passado animal que, tantas vezes, diante de
situações extremas, comanda o nosso comportamento e as nossas ações.”, diz
o Professor Ronaldo Conde Aguiar.
O mundo gira, a Lusitana roda, os sentimentos se deterioram dia a dia,
mesmo numa cidadezinha como a nossa Três Corações onde vemos crianças
esfarrapadas pedindo esmolas pelas ruas, bêbados caídos pelas esquinas,
adolescentes se prostituindo ou com barrigas de gravidez avançada, etc.,
etc., e não nos incomodamos. Isto, quando não censuramos seus atos, como
se fossem culpados e não frutos de uma imensa rede onde a corrupção é o
normal, a mentira é o natural, o “venha a nós” a única frase da oração.
"Seja do que for que nossas almas são feitas, a dele e a minha são
iguais", diz a personagem de Emily Bronte. Mas para nós, em nosso pequeno
e mesquinho universo, a alma não existe mais. Em seu lugar reina o rancor,
o ódio, a inveja e, no final, reinará a solidão daqueles que nunca amaram
senão a si próprios, que viveram a mediocridade de uma vida que nada
produziu.
“Já quebrei meus grilhões, dirás talvez. Também o cão, com grande esforço,
arranca-se da cadeia e foge. Mas, preso à coleira, vai arrastando um bom
pedaço da corrente.”
É o barulho desta corrente que estamos ouvindo agora.
(27 de maio/2011)
CooJornal
no 737
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
Direitos Reservados
|
|