26/03/2011
Ano 14 - Número 728
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
OS ESCRITORES
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É comum os leitores tomarem os escritores como gente sisudas, de óculos,
fazendo pose de intelectual.
E aqui abro um parágrafo para dizer que só fui ver pose de intelectual
depois que voltei para Três Corações e, mesmo assim, nos piores
“cronistas” ou “poetas” de nossa malfadada província. Os bons são tão
normais quanto os do Rio, São Paulo, Paris ou qualquer cidade do mundo.
Fecho o parágrafo e continuo, dizendo que os escritores de verdade são
simples, mais preocupados com o pão nosso de cada dia do que com problemas
metafísicos, ou... pose.
Em geral são engraçados, e aqui vão alguns casos que nos comprovam os
humores de nossos mestres.
Comecemos com Rubem Braga, cronista maior e criatura engraçadíssima como
veremos nestes dois casos escritos por Milton Ximenes e, nos quais,
fizemos ligeiras modificações para caber no espaço.
1. Durante anos Rubem Braga foi cronista da “Manchete”, até o dia em que
seu chefe, Adolpho Bloch, ofereceu uma festa a Juscelino Kubitschek no
Antonio’s, bar famoso pela boêmia carioca. Bloch e Juscelino conversavam,
descontraídos, quando chegou o Rubem e Adolpho Bloch exclamou: “ Olha,
Presidente, chegou o maior cronista do Brasil”. Rubem, com aquela cara
severa respondeu rápido: “Maior cronista do Brasil, né? Agora conta a ele
quanto você me paga”. Foi despedido. ( Gazeta Mercantil, 10.01.2003,
Álvaro Costa e Silva).
2. Na crônica “O cadáver sou eu”, publicada na GAZETA DE VITÓRIA e na
revista SETE DIAS, de Cachoeira do Itapemirim, Maciel de Aguiar, nos conta
que: “Certa vez, Rubem Braga perguntou a ele: “Quando morrer vai preferir
queimar o corpo ou vai querer velório e sepultamento”?
“Que coisa mais sem sentido, tenho vinte e poucos anos e nem penso nisso”,
Maciel respondeu. Rubem levantou-se, deu uma boa talagada, e disse: “Pois
quando eu morrer não quero dar trabalho, vou deixar tudo certo... cremar o
corpo e jogar as cinzas no Itapemirim, é higiênico...”
Dias antes da sua morte Rubem havia ido a São Paulo, procurado uma empresa
especializada e contratado o serviço: “quero cremar um corpo...”.
Pagou e quando o atendente indagou pelo defunto, disse-lhe: - “O cadáver
sou eu... mas não espalhe que detesto choradeira em meus ouvidos.”
Era assim o bom e velho Braga, patrono brasileiro da crônica e mestre de
todos nós.
Outro que nos fazia rir (e pensar) o tempo todo era Nelson Rodrigues com
suas frases lapidares. Certa vez estávamos saindo de um órgão público no
Rio e, na fila do elevador, um crítico de cinema o cumprimentou
efusivamente (“Como vai, grande Nelson?”) e me virou a cara. Nelson, para
quem os amigos eram sagrados, notou e me perguntou alto: (“Quem é a
figura?”). Respondi: “É o fulano, Nelson!”. Ele olhou para o crítico, da
cabeça aos pés e falou em alto e bom som: (“Chediak, cuidado. Todo
fracassado é perigoso”). Foi uma gargalhada geral e o homenzinho, vermelho
e envergonhado, nem esperou o elevador, desceu 12 andares a pé.
Em outra ocasião, em seu aniversário, ofereceu um jantar para poucos
amigos. Estavam lá o jornalista Salim Simão, o Arnaldo Jabor, eu, minha
mulher, Dona Elza (esposa de Nelson) e Nelsinho. Como Nelson estava
doente, Dona Elza preparou um arroz com rosbife bem magrinho para ele e,
para nós outros um maravilhoso vatapá. Ficamos com pena do Nelson e, por
solidariedade, para que ele não sentisse vontade, resolvemos, todos, comer
apenas o arroz com rosbife. Ele nos observou desdenhoso, enfiou o
guardanapo no pescoço e resmungou: “É um caso sério!”. Em seguida pegou a
travessa de vatapá, despejou-a quase inteira em seu prato, e comeu com um
prazer que nos deixou, a todos, com água na boca e... caras de bobos.
O acadêmico Raymundo Magalhães Jr., para ganhar uns trocados a mais, vivia
de traduzir peças. Era um tradutor incansável. Tão incansável que quando
Austregésilo de Athayde perguntou a Josué Montelo qual a última peça de
Sartre Josué respondeu: “A última Sartre ainda não escreveu, mas pergunte
pro Raymundo que ele já traduziu”.
Raymundo Magalhães dava um duro danado pra se manter. Hoje é nome de
Avenida na Barra da Tijuca e do Teatro da Academia Brasileira de Letras.
Este caso não é engraçado mas é um belo exemplo de compromisso com seus
semelhantes e serve para ilustrar a personalidade de Érico Veríssimo: Em
viagem à África do Sul, quando ainda havia o apartheid, ao chegar ao hotel
o recepcionista pediu que ele preenchesse uma ficha na qual, além do nome,
lugar de origem, etc., indagava a que raça pertencia. Érico não titubeou,
escreveu lá, em maiúsculas: HUMANA.
São muitos os casos destes homens que tanto prazer e alegrias nos
proporcionaram e que tanto fizeram por nós. Sinto orgulho por tê-los
conhecido e, mais ainda, uma grande admiração pelas lições que me deram e
me servem pela fica afora.
(26 de março/2011)
CooJornal
no 728
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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