29/01/2011
Ano 14 - Número 720


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



JORGE MAUTNER – O TRAPÉZIO ANTES DO SALTO


 

Encontro-me com Jorge Mautner que, tendo acabado de ler mais uma dessas assombrosas descobertas científicas, me diz maravilhado: “Braz, somos a última geração dos mortais!”

A princípio não dou muita importância à observação do poeta mas, por alguma razão obscura, sua frase fica em minha cabeça, pulando de um lado a outro – como naquele personagem de Machado de Assis -. Tento fugir dela: Tomo um cafezinho, como um sonho de padaria, olho as mulheres nuas na banca de revistas, as mulheres vestidas caminhando nas ruas, ouço os sons dos carros e das máquinas, como se fossem uma sinfonia concreta, e me distraio.

Sou um homem livre, não me importo com a morte, penso enquanto caminho em direção a minha casa.

Ledo engano. Mal entro na sala e a frase do Mautner volta com toda sua sonoridade inquietante. “Somos a última geração dos mortais!”

O que aconteceria, se fôssemos imortais? Creio que a princípio sentiríamos alegria por saber que veríamos, para sempre, todas as transformações pelas quais passará o mundo. Mas e nós, como nos transformaremos?

Sou de uma geração que conheceu a carta, o telegrama, o telefone, o celular, a internet. Ouvimos a marchinha, o samba, o jazz, o rock, a bossa-nova, o rap, o funk. Passamos por diversos regimes políticos, vimos o homem chegar à lua, vimos o circo, o teatro, o cinema, a TV. Vimos o vídeo, o DVD, etc., etc., mas em nenhum momento vimos a humanidade plena, onde a mais bonita das frases cristãs – amai-vos uns aos outros - se concretizasse.

Por que? Porque o homem, “este bicho da terra, tão pequeno”, ainda não encontrou-se. Não soube aceitar a vida e a morte como elas são, afastou-se da essência e deixou-se dominar pela ganância. Dá mais valor a uma moeda de lata do que a um livro, a uma música, ao encanto do vôo de um pássaro ou ao cantar de um riacho, der um rio, do mar. O homem distanciou-se de seu centro, foi tomado pelo medo e se tornou incapaz de se exaltar – como o Mautner se exaltou – sabendo que outros viverão mais que ele, mais que nós.

Henry Miller diz que “Lado a lado com a espécie humana corre outra raça de seres, os inumanos, a raça dos artistas que, incitados por impulsos desconhecidos, tomam a massa sem vida da humanidade e, pela febre e pelo fermento com que a impregnam, transformam a massa úmida em pão, e o pão em vinho, e o vinho em canção...” Mas a canção está se tornando cada vez mais triste: Desviamos o curso dos rios, fazemos nascer jardins nos desertos, criamos cloneis, transplantamos embriões, geramos crianças em ventres alugados, etc., etc., mas continuamos incapazes de impedirmos nossa própria destruição. Queimamos as florestas, ferimos a pele de nossa verdadeira mãe, a terra, poluímos todos os lugares por onde andamos, contaminamos as águas e o ar que respiramos.

As “civilizações” foram criadas sobre cadáveres, a morte tornou-se um negócio rendoso. Matamos pelo petróleo, matamos por causa de um filete d’água, matamos para vender armas da morte.

Mas alguns, como Jorge Mautner, são capazes de transformar a massa em pão, o vinho em canção e, generosamente, distribuí-los, como distribuem a poesia e a vida. São capazes de ver o mundo como um imenso milagre e, enquanto atravessam a fronteira e alcançam a geração dos imortais, espalham a beleza de um samba, de um rock, de um


MARACATU ATÔMICO
Nelson Jacobina e Jorge Mautner

“O bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor
E toda fauna e flora grita de amor
Quem segura o porta-estandarte
tem a arte, tem arte.
E aqui passa com raça
eletrônico o maracatu
atômico

Manamaué aué aê
Manamaué aué aê
Manamaué aué aé
Manamauê auê aé

Atrás do arranha-céu tem o céu, tem o céu
E depois tem outro céu sem estrelas
Em cima do guarda-chuva tem a chuva, tem a chuva
Que tem gotas tão lindas que
até dá vontade de comê-las

Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé

No meio do couve-flor tem a flor, tem a flor
Que além de ser uma flor tem sabor
Dentro do porta-luvas tem a luva, tem a luva
Que alguém de unhas negras
e tão afiadas
Esqueceu de por

Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Aaaaé
Maracatu atômico
Aaaaé
Maracatu atômico

No fundo do pára-raio tem
o raio, tem o raio
Que caiu da nuvem negra do
temporal
Todo quadro-negro é todo
negro é todo negro
Eu escrevo seu nome nele só
pra demonstrar
O meu apego

Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé
Manamaué aué aé

O bico do beijar flor, beija-flor,
beijar flor
E toda fauna flora gata de amor
Quem segura o porta estandarte
tem a arte, tem a arte
E aqui passa com raça
eletrônico o maracatu
atômico

Manamaué aué aé



Carpe Diem



(29 de janeiro/2011)
CooJornal no 720


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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