18/09/2010
Ano 14 - Número 702


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



SEXO, SORVETES E OUTROS SÍMBOLOS


 

Ítalo Calvino dizia que o século XXI seria o século da leveza. Esperei por ela – a leveza -, imaginando um mundo mais tranqüilo onde, vencido o medo, tendo nos livrado do peso da ignorância e da miséria, viveríamos uma vida melhor nessa que é nossa grande e generosa mãe, a terra.

Abro um parêntese para falar que nós, os velhos, sentimos imensa ternura pelo mundo, seus rios, mares, florestas, bichos e, principalmente, por nossos semelhantes, pois temos consciência que a estação do desembarque se aproxima e os deixaremos para trás, para sempre.

Feita a constatação, fecho o parêntese e volto à “leveza”, mesmo sabendo que hoje, quando estamos trocando o mundo real pelo virtual, experimentamos uma nova espécie de peso: a solidão virtual, diferente da solidão cósmica inerente a tudo que é finito, que nos leva à meditação, à busca, ao encontro. Esta nova solidão é absurda, não-criativa, fria e nos conduz ao nada.

Todos sabemos que, apertando uma tecla, podemos visitar igrejas, templos, sinagogas, mesquitas que jamais sonhávamos em conhecer. Podemos visitar continentes, países, cidades, montanhas gigantescas e a mais diminuta mônada. Podemos tudo mas nos sentimos só.

Diante da tela mágica, surge o universo mas falta a nós o companheiro, ou a companheira, para tocarmos, ouvir o som da voz, sentir o cheiro, o arrepiar da pele e o esfriar dos lábios no momento do orgasmo. Falta o humano e muitas vezes temos vontade de gritar, como a Criatura do romance de Mary Shelley:

“- Todo homem deve procurar uma esposa para aquecer seu coração, todo animal deve ter sua companheira, e eu? Devo permanecer sozinho?”

Este o dilema do mundo virtual. Conversamos pelo Skype, trocamos mensagens pelo MSN, mas com um toque, como na varinha de pirliplinplin da fadinha de Peter Pan, tudo some e permanecemos sozinhos.

Roberto Carlos, não sei se a um programa de televisão ou a uma revista, disse que, para ele, as três melhores coisas do mundo são: sexo com amor, sexo, e, em terceiro lugar, sorvete. Lida às pressas, a entrevista do rei parece pueril, mas se a analisarmos com um mínimo de profundidade podemos ver que nela estão embutidas três verdades:

1. O sexo com amor torna possível a união do carnal e do espiritual numa integração cósmica perfeita. Benditos aqueles que amaram e sentiram a alegria de acordar no meio da noite e ver a leveza do corpo do amado, ou da amada, esparramado na cama, em harmonia com o todo, porque amou.

2. O sexo, mesmo sem amor, é o princípio fundamental da continuidade, da renovação, da vida. E, ser enigmático, o homem é capaz de manter uma relação, ter filhos, etc., por interesses outros que não o amor ou, simplesmente, sair à caça por medo da solidão ou de ficar sozinho, mas na hora do orgasmo tem que haver e entrega, o despojar-se do peso.

3. O sorvete é o símbolo do alimento material, sem o qual nada sobrevive, e também de uma infância que já se foi mas permanece através do paladar. Reforça a genial frase disputada por Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa: “O homem é a criança que foi”.

E nada tem mais leveza que uma criança antes de perder a inocência. Mas o que me causa indagação é como serão estas crianças que hoje permanecem horas e horas em frente ao computador, distante do mundo real, filhos de pais que, para justificarem a ausência, cunharam a frase: “pelo menos a gente sabe onde estão”.

Elas não estão sentindo o cuidado, o afeto, a proteção necessária até certa fase da vida e, para piorar, convivem dia a dia com a mentira, com a corrupção, com a violência das drogas, dos assaltos, dos tiros e facadas e, pior ainda, a violência da mentira.

Em outras palavras, estas crianças estão crescendo sem acreditar em seu próximo. E a falta de crença é um dos grandes pesos que pode atormentar o ser humano. Um fardo muito grande para nossos ombros.

Talvez Ítalo Calvino tenha se enganado. Talvez minha espera tenha sido inútil, já que o medo continua, ainda não nos livramos da ignorância e da miséria, e nossa vida continua, agora pior nessa que é nossa pequena mãe, a aldeia onde vivemos. Uma aldeia onde os corações servem apenas como símbolos. Pesados símbolos.


(18 de setembro/2010)
CooJornal no 702


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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