28/08/2010
Ano 13 - Número 699


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



 ESPÍRITO DE MINAS


 

Minas não é um estado geográfico, é um estado de espírito. E o espírito mineiro é sempre cuidadoso em seu falar, principalmente quando tem que dar uma notícia ruim.

Desde criança somos acostumados assim. Se, por exemplo, quebramos a sopeira de porcelana chinesa, que a vovó ganhou da baronesa, antes de contarmos à nossa mãe dizemos que estávamos brincando de jogar bola na sala, que o fulano dribla muito bem, que nosso time estava ganhando por dois a zero quando beltrano deu um chute que pegou na cristaleira e...

Este espírito, esta maneira de contar uma desgraça, é bem ilustrada na piada (ou causo) seguinte:

O mineirinho, que “trabalha” num sítio em Três Corações, liga para o patrão, que mora em São Paulo, e diz, com voz mansa:

- Alô, seu Carlos? Aqui é u Óshito, o casêro do sítio.

O paulista, sabedor que mineiro só telefona ou escreve para dar más notícias, fica ressabiado e pergunta:

- Pois não seu Washington. Algum problema?

O caseiro pigarreia, demora a responder:

- Num é pobrema não, eu só to ligano pra avisá que o papagaio do senhor morreu.

-Meu papagaio? Morreu?

-É.

- Puxa, Seu Washington, ele tava tão bem quando fui aí, mas... Morreu de que?

- Acho que foi di cume carne estragada!

- Carne estragada? Mas como? Quem deu carne estragada pra ele?

- Ninguém, não. Ele cumeu carne dos cavalo morto.

O patrão, já preocupado:

- Cavalo morto? Que cavalo morto, Seu Washington?

-Aqueles dois manga-larga que o senhor comprô na exposição. Eles morreram de tanto puxá carroça d’água.

- Tá louco? Que carroça d’água?

- Uai, pra apagá o incêndio.

O patrão, preocupadíssimo:

- Mas que incêndio, meu Deus?

O mineiro, calmo:

- Na fazenda. Uma vela caiu e aí pegou fogo nas cortina.

- Pô, aí tem luz elétrica! Que vela era essa?

- Do velório.

O patrão, agora apavorado:

- Velório? Velório de quem?

- Da mãe do sinhô. Ela apareceu aqui sem avisá e eu dei um tiro nela, pensando que era ladrão.

O patrão, em prantos:

- Meu Deus, minha mãe!!!!!!!!!!!!

E o mineiro, calmamente, tirando o corpo fora:

- Peraí, seu Carlo. O sinhô num vai chorar por causa dum papagaio, vai?


Claro, é uma piada, mas ilustra bem a alma, o raciocínio do mineiro que, de tanto ouvir histórias assim, nos deu escritores como Murilo Rubião, Autran Dourado, Fernando Sabino, Godofredo Rangel, e, mestre dos mestres, Guimarães Rosa. Aliás é de Guimarães Rosa o exemplo da Inteligência desse povo que, desde criança é capaz de tiradas como esta:

- “Joãozinho, dê um exemplo de substantivo concreto.”

- “Minhas calças, Professora.”

- “E de abstrato?”

- “As sua, Professora.”


E por hoje é só.



(28 de agosto/2010)
CooJornal no 699


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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