27/02/2010
Ano 13 - Número 673


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



UM POEMA DE AMOR


 

Na última crônica que publiquei, citei trechos de um poema de Ernesto Cardenal e algumas leitoras me passaram e-mails pedindo que o enviasse, ou publicasse, inteiro.

O fato me despertou a curiosidade: por que as mulheres, como leitoras, têm mais sensibilidade que os homens? Ou serão iguais, só que os homens ainda têm preconceito contra a poesia, medo de expor sentimentos, de mostrar seu lado mais terno – justamente aquele que mais deveria ser mostrado?

Não sei. Por muito tempo éramos considerados dois seres diferentes: os homens, fortes, guardiões da fêmea e da ninhada, provedores do ninho. As mulheres, mais frágeis, presas à casa (eufemisticamente chamada de “lar”), se dedicando às coisas que, na época, eram considerada de menor importância.

Mas o tempo passou. Elas conquistaram o mundo, se demonstraram mais capazes que nós em infinitos pontos e, muitas vezes, são as que sustentam o marido, mantêm os filhos, comandam o barco. São verdadeiras guerreiras. E sem perder a feminilidade, a doçura, a sensibilidade de ler e ver o que ainda resta de bom, nesta terra tão cheia de desamor, de aspereza, de violência.

Hoje, já velho, percebo com mais nitidez a importância da poesia, a importância de um som, de uma palavra, de um pensamento límpido, de uma mulher nos trazendo seu universo de beleza. A beleza do encontro e do desencontro, pois destes sentimentos também é feita a vida.

O poema de Cardenal reflete as duas coisas. O desencontro do poeta e sua amada Cláudia e seu encontro com a poesia. Este foi o trecho que transcrevi (tradução de Héctor Zanetti):

Ao perder-te eu a ti,
tu e eu perdemos:
Eu, porque tu eras
a que eu mais amava
e tu porque eu era
o que te amava mais
mas de nós dois
tu perdes mais que eu:
porque eu poderei amar a outras
como te amava a ti,
mas a ti não te amarão
como te amava eu.

Já citei, em crônica anterior, a frase zen: “Todos nós conhecemos o som de duas mãos que aplaudem./Mas qual será o som de uma só mão que aplaude?”. Talvez seja este som misterioso que as mulheres encontram no lamento do poeta. O som cósmico, infinito, que ouvimos neste doloroso e lúcido grito de amor.

Cardenal alcançou o que Joyce chama de Epifania. Ou seja: nele o poeta se “manifesta”. E a alma feminina percebe isto: percebe quando um homem diz sua verdade, despe-se do desnecessário, se dá a conhecer. E, neste mundo de aparências, de vaidades tolas, são poucos os Homens que fazem isto. São poucos aqueles que não se envergonham de buscar a beleza e de fazer dela sua companheira. São poucos os que fazem de sua vida um profundo poema de amor.



(27 de fevereiro/2010)
CooJornal no 673


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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