Braz Chediak
UM POEMA DE AMOR
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Na última crônica que publiquei, citei trechos de um poema
de Ernesto Cardenal e algumas leitoras me passaram e-mails pedindo que o
enviasse, ou publicasse, inteiro.
O fato me despertou a curiosidade: por que as mulheres, como leitoras, têm
mais sensibilidade que os homens? Ou serão iguais, só que os homens ainda
têm preconceito contra a poesia, medo de expor sentimentos, de mostrar seu
lado mais terno – justamente aquele que mais deveria ser mostrado?
Não sei. Por muito tempo éramos considerados dois seres diferentes: os
homens, fortes, guardiões da fêmea e da ninhada, provedores do ninho. As
mulheres, mais frágeis, presas à casa (eufemisticamente chamada de “lar”),
se dedicando às coisas que, na época, eram considerada de menor
importância.
Mas o tempo passou. Elas conquistaram o mundo, se demonstraram mais
capazes que nós em infinitos pontos e, muitas vezes, são as que sustentam
o marido, mantêm os filhos, comandam o barco. São verdadeiras guerreiras.
E sem perder a feminilidade, a doçura, a sensibilidade de ler e ver o que
ainda resta de bom, nesta terra tão cheia de desamor, de aspereza, de
violência.
Hoje, já velho, percebo com mais nitidez a importância da poesia, a
importância de um som, de uma palavra, de um pensamento límpido, de uma
mulher nos trazendo seu universo de beleza. A beleza do encontro e do
desencontro, pois destes sentimentos também é feita a vida.
O poema de Cardenal reflete as duas coisas. O desencontro do poeta e sua
amada Cláudia e seu encontro com a poesia. Este foi o trecho que
transcrevi (tradução de Héctor Zanetti):
Ao perder-te eu a ti,
tu e eu perdemos:
Eu, porque tu eras
a que eu mais amava
e tu porque eu era
o que te amava mais
mas de nós dois
tu perdes mais que eu:
porque eu poderei amar a outras
como te amava a ti,
mas a ti não te amarão
como te amava eu.
Já citei, em crônica anterior, a frase zen: “Todos nós conhecemos o som de
duas mãos que aplaudem./Mas qual será o som de uma só mão que aplaude?”.
Talvez seja este som misterioso que as mulheres encontram no lamento do
poeta. O som cósmico, infinito, que ouvimos neste doloroso e lúcido grito
de amor.
Cardenal alcançou o que Joyce chama de Epifania. Ou seja: nele o poeta se
“manifesta”. E a alma feminina percebe isto: percebe quando um homem diz
sua verdade, despe-se do desnecessário, se dá a conhecer. E, neste mundo
de aparências, de vaidades tolas, são poucos os Homens que fazem isto. São
poucos aqueles que não se envergonham de buscar a beleza e de fazer dela
sua companheira. São poucos os que fazem de sua vida um profundo poema de
amor.
(27 de fevereiro/2010)
CooJornal
no 673