14/11/2009
Ano 12 - Número 658


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



LINHAS DESIGUAIS


 

Recordo-me de quando, ainda pequeno, meu filho foi convidado para ir à festa de aniversário de um colega de escola, em Ipanema.

Como não o conhecia, procurei sua mãe que, separada do marido, morava num prédio vizinho e, logo que a vi, percebi, pelas roupas humildes, os sapatos gastos, o rosto e os cabelos não tratados, que era pobre, muito pobre.

Fiz as perguntas de praxe: quem tomaria conta das crianças, se não tinha perigo em deixá-las soltas, etc., etc. Ela me respondeu que uma ou duas amigas a ajudariam e que todos brincariam um pouco e depois almoçariam arroz e camarão. “- Camarão?” , deixei escapar, já que este era um prato caro e, visivelmente, ela passava por dificuldades. Houve um breve silêncio entre nós.

Depois ela sorriu e falou baixinho, quase como se pedindo desculpas:

- É muito caro, mas meu filho adora e só faz aniversário uma vez por ano. Nós comemos bem só uma vez por ano.

Fiquei calado, sentindo uma imensa ternura por aquela mulher que proporcionava ao filho a satisfação de um desejo, dando-lhe aquilo que ele mais gostava, ainda que à custa de sacrifícios, de imensos sacrifícios. Em seguida me despedi e fui para casa.

A festa deve ter sido maravilhosa, já que meu filho, Yassir, chegou feliz, contando as travessuras, as piadas que ouviu, etc. Não falou do jantar, mas quando perguntei respondeu com sua naturalidade de criança:

- Pai, foi ótimo. Pô, teve até camarão!

Pouco tempo depois nos mudamos e nunca mais ouvi falar daquela mãe e daquele garoto até que, recentemente, soube que ele é um Artista, que transmite sua vida e suas experiências lançando sua obra e fazendo conferências por todo o mundo.

Conto esta história para ilustrar o que vejo hoje, não apenas pela TV e nos jornais, mas aqui mesmo em nossa pequena Três Corações: muitos pais se preocupam mais em transmitir aos filhos uma idéia falsa da vida, incentivando-os a desejarem dinheiro, dinheiro e mais dinheiro, do que dando-lhes o mínimo de orientação humana e de afeto. Aliás, para eles, o carinho, a carícia, o abraço e o diálogo se transformaram em sinônimo de fraqueza. O trabalho, a honestidade e muitos outros valores deixaram de ser prioridades para dar lugar à ostentação, ao luxo, etc., etc.

É claro que a riqueza, quando vem do trabalho digno, é uma coisa boa. É claro que existem os que constroem, seja uma grande empresa ou um pequeno poema, e estão a favor da vida. Mas existem também os arrogantes que destroem, que alimentam preconceitos, que caminham sobre o nada. Estes são os críticos das obras alheias. São os homens objetos. Os que trocam até o amor pelos objetos.

Esta constatação me faz lembrar de uma conversa entre João Antonio e Rubem Fonseca que está na orelha do livro Bufo & Spallanzani: “O amor romântico não existe mais. Hoje ele surge e vai apodrecendo. A relação é superficial. O amor é um troço amplo. Ama-se o corpo da pessoa amada, a voz, as palavras, o cheiro, tudo, tudo e as pessoas não estão chegando lá.”

Não. As pessoas não estão chegando lá. Para muitos, o efeito vale mais que o afeto. A esperteza vale mais que o trabalho. O ouro vale mais que a aura. Pena é que muitos jovens estão seguindo este exemplo nefasto, estão se fascinando com o fácil, com a mentira. Estão se perdendo nas ruas ladrilhadas com pedrinhas de falsos brilhantes, onde o amor não passa. Estes são os herdeiros do falso, e nunca serão como aquele menino pobre que fez de suas dificuldades matéria prima para sua Arte. Aquele menino que soube ver sua mãe, com a fisionomia cansada, trabalhando duro, fazendo horas extras, para lhe dar um aniversário feliz. Para lhe dar o que há de maior no ser humano: exemplo de dignidade e, sobretudo, amor.




(14 de novembro/2009)
CooJornal no 658


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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