20/06/2009
Ano 12 - Número 637


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



ALMA DE GATO



 

Diz a lenda amazonense que “quando a alma-de-gato canta à porta de uma pessoa, ela, a pessoa, está com os dias contados”. Claro, isto é uma lenda. Mas na realidade, quem ler ALMA-DE-GATO, terceiro livro da TRILOGIA DE ALDARA, de Flávio Moreira da Costa está para sempre cativado por este escritor gaúcho/carioca, mestre maior de nossas antologias, romancista renovador, contista de primeira, ensaísta, poeta, etc., etc. que combate, incansável, o bom combate pela literatura brasileira.

Neste livro, Flávio, utilizando fragmentos da vida e da obra de João do Silêncio, personagem nascido na mítica Aldara, país “de singular localização sentimental e geográfica (...) limitado ao Norte por Portugal, ao Sul, pelo Uruguai, ao Oeste pela Lembrança do Calor africano e ao Leste pela Música dos Ventos”, mas em tudo e por tudo semelhante ao nosso Brasil, constrói uma obra forte, lírica, desconcertante, lúcida, contemporânea.

É um escritor que se renova a cada livro. Já em sua estréia, com O DESASTRONAUTA, no início da década de 70, foi saudado por Rubem Fonseca:  “Sua linguagem polissêmica força a participação ativa do leitor, afinal premiado com a reação de uma experiência emocional, estética e intelectual das mais ricas” e causou espanto até mesmo no mestre argentino da “literatura do espanto”, Júlio Cortázar,  que exclamou: “O desastronauta é um título formidável!”

De lá para cá os elogios não cessaram. Otto Maria Carpeaux, Dionélio Machado, Paulo Sérgio Pinheiro, Mário da Silva Britto, Wilson Martins, Regina Zilberman, Fábio Lucas, Fernando Namora, Antonio Hohlfeldt, Xico Sá, Eduardo Galeano, etc., etc. fazem parte do time que o elogiaram abertamente, sem restrição já que, “Elogio com restrição não é elogio”, como disse Nelson Rodrigues.

Muitos prêmios vieram: Premio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, para o romance O EQUILIBRISTA DO ARAME FARPADO, que ainda faturou o Prêmio Machado de Assis de Romance, pela União Brasileira dos Escritores. NEM TODO CANÁRIO É BELGA também recebeu o Prêmio Jabuti, MALVADEZA DURAÇÃO o Premio Nacional de Contos do Estado do Paraná. E paro por aqui, já que estou escrevendo uma crônica e pelo espaço, reduzido por motivos editoriais, não cabe uma análise detalhada de um escritor que dedicou toda sua vida às letras e, consequentemente, é hoje um dos mais importantes do país.

Mas... o que é ALMA DE GATO? Memória, biografia, romance? Moacyr Scliar nos esclarece, na orelha do livro: “A paixão pela literatura é o tema principal deste Alma-de-gato (...) Desdobra-se diante de nós um verdadeiro painel em que temas e formas literárias se sucedem com rapidez às vezes vertiginosa. Temos o diário do narrador-autor, em que corriqueiros fatos do cotidiano (...) entremeiam-se com uma esplêndida meditação sobre o que é o ato de escrever, qual a relação da literatura com a vida.(...) E sobre a razão pela qual escreve o livro: “É possível que eu o escreva para me surpreender.”  Ao fazê-lo, o autor também surpreende o leitor. Que termina Alma-de-gato agradecendo a essa grande escritor que é Flávio Moreira da Costa”

Sim, grande porque Flávio faz do ato de escrever sua própria vida e a revela completa a nós, leitores, de maneira inteligente e sensível.

Em sua entrevista para Luciano Trigo, no site da globo.com, ele afirma que “Cabe tudo no romance de hoje – que, para uso caseiro, chamo de pós-romance. Não ignoro convenções, embora tenha tendência a desafiá-las; nem fronteiras narrativas, que devem ser somadas. Aprendi isso na infância: morava em Livramento, Brasil, atravessava a praça, e passava para Rivera, Uruguai, para ir ao cinema ou tomar sorvete.  Ninguém me pedia passaporte, nem classificava os dois países e as duas línguas, que aliás se misturavam”. É dessa mistura que nasceu João do Silêncio, personagem que nos diz, no romance: “escrevo para me entender. Desenrolar o carretel interno dentro da cabeça e do peito. Desfazer alguns nós. Análise e síntese, o movimento das marés, vai e vem, luz e sombra...”.

O livro é tudo isto. É, sobretudo, movimento. Celebração literária. Encontro do autor consigo mesmo e com seus leitores. Viagem que leva a uma descoberta contínua. Prazer que se multiplica a cada página. Ler ALMA DE GATO é compartilhar do universo criativo de Flávio Moreira da Costa que, obra a obra, vai se consolidando como um dos mais importantes da literatura brasileira, sul americana, universal.         


 
(20 de junho/2009)
CooJornal no 637


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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