13/06/2009
Ano 12 - Número 636
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
SOBRE PÁSSAROS E VERMES
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A revista científica “Sience” divulgou esta semana a notícia que
pesquisadores israelenses conseguiram fazer germinar uma semente de dois
mil anos, descoberta em escavações feitas numa fortaleza construída pelo
rei Herodes. A planta, agora com 26 meses, é uma palmeira, que está com
1,50m de altura, e foi batizada de Matusalém, clara homenagem ao patriarca
bíblico.
Este fato me fez recordar de outro que aconteceu em minha juventude,
quando passei algum tempo entre os índios Camaiurás, junto com os irmãos
Cláudio e Orlando Vilas-Boas. Ganhei de uma bela indiazinha um chocalho
feito de cabaça e o levei para minha casa, no Rio, pendurando-o na sala,
perto da biblioteca. Um dia, ao pegar um livro, derrubei-o e ele
quebrou-se. Fiquei triste, era uma lembrança que acabava, catei as
sementes que estavam dentro da cabaça – elas é que produziam o ruído
musical – e plantei uma delas em um grande vaso de pedra, na varanda.
Todos os dias, ao aguá-la, observava atentamente a terra, esperando o
nascimento de uma planta selvagem, misteriosa, que se transformaria numa
árvore gigantesca. Alguns dias se passaram e, certa manhã, vi a terra
aberta e um pequeno broto despontando. Não era uma planta misteriosa, nem
ficaria gigantesca. Era um lírio, um delicado lírio vermelho. Fiquei um
pouco decepcionado, o mistério acabara-se, transformara-se numa coisa
simples. Custou-me perceber a beleza daquela planta e, principalmente,
daquela revelação. Custou-me a perceber que ele trouxera mais alegria à
varanda e a mim, e que agora fazia parte da casa.
Mas voltemos à crônica. O feito dos pesquisadores israelenses me faz
pensar na imensa riqueza que existe no planeta e que ainda não foi
descoberta pelos homens. Plantas, minerais, animais e até mesmo
ensinamentos de civilizações extintas a milênios estão à espera lá no
distante oriente ou, quem sabe, embaixo de nossos pés?
Talvez, em tempos ancestrais, existiram povos que viveram em harmonia com
a terra e hoje nos poderiam ensinar a alcançar esta harmonia. Quanta coisa
poderíamos aprender com eles. Quem sabe nos responderiam o por que nós,
pequenas criaturas, somos consumidos pela ganância, pelo ódio, pela
ruptura! Por que destruímos tantas coisas belas? Se uma semente pode
guardar a vida tanto tempo adormecida dentro dela, que direito temos nós
de destruir uma árvore, uma fonte, um animal e, principalmente, nossos
semelhantes?
Henry Miller, em Trópico de Câncer, tem um personagem que está sempre
maldizendo a vida. Se acorda e o dia está ensolarado reclama: “Que sol
desgraçado, esta luz cega qualquer um!”. Se está chovendo, diz: “Que chuva
desgraçada, como é que a gente pode viver num dia assim?”, e se não tem
nem uma coisa nem outra também reclama: “Que dia desgraçado. Não se define
se chove ou se faz sol!”. Que grande diferença entre este personagem e
nosso Manuel Bandeira quando, num esforço de seus pulmões tuberculosos,
grita louvando a vida: “Belo, belo, belo, eu tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios...”. Quanta beleza há
neste grito, quanta grandeza. Comparando o personagem de Miller e o poema
de Bandeira, penso que nós também maldizemos muito à vida e não nos damos
conta da beleza que existe até em coisas que já se foram, como não nos
damos conta que cada dia é um único e exclusivo dia, que aquele sol, ou
aquela chuva, são únicos e nunca mais os veremos da mesma maneira, ainda
que vivamos 100 anos. Como não nos damos conta de que alguns de nossos
semelhantes escavam a terra em busca da vida e que, a partir do nascimento
desta pequena palmeira, têm esperança de reproduzir espécimes ainda mais
antigas, que podem carregar dentro delas a cura para muitas doenças e nos
revelar períodos importantes de nossa história, do planeta e do homem.
“Se você se sentir como um verme, cave. Se você sentir como um pássaro,
voe.”, aconselha Miller. Vamos deixar os lamentos e cavar ou voar também
nós, vamos procurar os segredos da paz no profundo ventre de nossa mãe
terra e no infinito de nossa alma. Quem sabe se, chegando ao fundo do
buraco ou ao alto das nuvens, veremos o mundo como um todo e perceberemos
que, vermes ou pássaros, podemos receber a benção da palmeirinha
simplesmente porque habitamos em suas raízes ou em seus galhos e com ela
estamos renascendo e continuando, até o dia em que compreenderemos que
todos somos parte do OM, do grande e eterno OM. Carpe Diem.
(13 de junho/2009)
CooJornal
no 636
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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