Braz Chediak
SOBRE MEDOS E VAIDADES
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Os saudosistas têm mania de dizer que no
passado tudo era melhor. É comum, quando encontramos com um deles,
ouvirmos frases tipo “Ah, os faroestes de John Wayne, aquilo é que era
cinema!”, “Ah, os sambas do Ataulfo, hoje ninguém faz música assim!”
Até aí, nada de mais. John Wayne fez muitos filmes ótimos, principalmente
sob a direção do mestre John Ford. Ataulfo Alves foi, sem dúvida, um
maravilhoso sambista. Mas, hoje também temos filmes excelentes em todos os
gêneros, inclusive os faroestes como, por exemplo, OS IMPERDOÁVEIS de
Clint Westwood. E sambas fantásticos como os de Chico Buarque, Paulinho da
Viola, Zeca Pagodinho, etc., etc.
Outra manifestação da velhice é a raiva contra o RAP, o FUNK e tantos
outros gêneros dos quais os jovens gostam. Por quê, se eles estão mais de
acordo com a vida atual, com o ritmo atual? Atualmente, as coisas
acontecem de maneira mais dinâmica, a própria vida se transforma de
maneira mais rápida e a arte nada mais é que o reflexo de seu tempo.
A Bossa Nova, por exemplo, foi um movimento musical importante, mas que
jovem, hoje, tem paciência ou tempo para ouvir “o barquinho vai, a
tardinha cai...”? Quem tem paciência de ouvir uma ópera de Wagner, ver um
filme de Antonioni ou Godard, ou ler um romance de Proust ou Joyce? Este é
o destino das Artes: depois que se tornam clássicos fica apenas para os
estudiosos, para aqueles que têm interesses específicos por elas.
Não sei qual o filósofo, ou gozador, que disse que “a morte, quando mais
demora mais perto ela fica”. É a realidade, mas... e daí? Não aprendemos,
na escola, que dois corpos não podem, ao mesmo tempo, ocupar o mesmo lugar
no espaço? Então? Nosso lugar, com o tempo, tem que ser ocupado por
outros, ou o planeta se transforma num caos, as leis físicas caem por
terra. Até o velho Lavoisier que dizia que “na natureza nada se perde,
nada se cria, tudo se transforma”, seria desmentido se tudo continuasse na
mesma como querem os tais saudosistas – ou passadistas.
Há muitos anos, fui com minha mulher a uma cidadezinha chamada Serro,
perto de Diamantina. Nesta época nos amávamos mutuamente e, como acontece
com os amantes, tudo era bonito, tudo era perfeito. (Até mesmo o
desconfortável quarto cujo forro era de esteira - para dar mineiridade ao
ambiente - e deixava passar todos os barulhos, de todos os cômodos).
Estávamos felizes e curtíamos tudo: as ruas, as escadarias, o museu... Mas
o que mais me chamou a atenção foi um ser humano, o guia que nos mostrou a
igreja e a “Casa dos Otonis”. Cheio de alegria, nos contou a história da
cidade e a saga dos negros, seus antepassados. Que beleza de história,
quanto orgulho aquele velho sentia de sua negritude, de seu povo. E quanta
beleza nos legou este povo que sofreu torturas, viveu sob grilhões, mas
lutou e sobreviveu bravamente mostrando sua força, seu caráter e,
principalmente sua sensibilidade.
Aquele guia era um velho. Tinha mais de 80 anos. Não sabia ler e escrever.
Tudo lhe fora ensinado de maneira oral, mas quanta sabedoria, quanta
cultura ele nos transmitiu naqueles momentos que passamos juntos. Foi um
sentimento tão gratificante e profundo que, por instantes, esqueci a
mulher que amava, esqueci as férias e me senti eterno mutante. Alcancei
aquele estado que os budistas chamam de Nirvana. Estava diante de um ser
superior, que soubera envelhecer. Um velho que preservava sua história e a
história de sua gente, mas que também compreendia que existe beleza no
ontem e no hoje, que existe beleza na planta que brota e no grão que morre
sob a terra para que outra planta possa nascer. Um velho que compreendia a
beleza da manhã, da tarde e da noite. Que aceitava e amava a existência
como o pescador aceita e ama o rio que corre e cujas águas nunca são as
mesmas.
Este fato aconteceu há mais de 20 anos, minha mulher e eu nos separamos,
nosso amor eterno acabou-se, nunca mais fui ao Serro, mas aquele pequeno
homem negro, cheio de sabedoria e de ternura, ainda me acompanha como um
guia. Ele me ensinou a ouvir a voz dos fantasmas antigos e o choro de
crianças nascendo. Me ensinou, como no Eclesiastes, que “uma geração
vai-se, outra geração vem, mas a terra para sempre fica.” E, mais que
tudo, ensinou-me que, para os velhos que compreendem a vida, a juventude é
uma homenagem, a grande homenagem da renovação. O resto é vaidade, tudo
vaidade. Ou medo.
(25 de abril/2009)
CooJornal
no 629