18/04/2009
Ano 12 - Número 628


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



 MATANDO O BICHO

 

Há muitos anos escrevo crônicas para jornais e sites, mas nunca me passou pela cabeça que deveria abrir o mês de janeiro com um balanço do ano que passou ou, simplesmente, revelar os projetos para o que começa.  Por que deveria ser uma crônica especial?  O que é que este mês tem de diferente dos outros? Os dias continuam com 24 horas, as horas com 60 minutos e os minutos com 60 segundos. As chuvas, como todo ano, estão aí e, com elas, a multiplicação das sementes e o aparecimento de pássaros que, misteriosamente, somem por um longo período.  Aliás, alguém sabe para onde vão os tizius, os coleirinhas, os bigodinhos, etc., etc. nas outras estações do ano?

Dizem que primeiro de janeiro é o dia ideal para: deixar de fumar, deixar de beber, deixar de comer gordura, acordar cedo, fazer exercício físico, comer mais saladas, caminhar uma hora por dia, reler a obra de Proust, o Ulisses, de Joyce, fazer as pazes com a mulher ou o marido, dar mais atenção aos filhos, ser mais participativo na empresa, etc., etc.

São promessas fáceis, mas que podem podem ser adiadas para depois do carnaval, o que me faz lembrar o poema de Ascenso Ferreira:

Hora de comer, comer.

Hora de beber, beber.

Hora de dormir, dormir.

Hora de trabalhar

Pernas pro ar que ninguém é de ferro


Mas, já que não fizemos balanço, nem temos projetos, que tal sonharmos? Sonhos não custam nada e podem nos levar mais longe que qualquer carro, ônibus ou avião, sem o desconforto de sair da cama, ir à garagem, rodoviária ou aeroporto, esperar, carregar mochilas e, suplício dos suplícios, ter na poltrona a seu lado um desses caras que gostam de conversar para passar o tempo”.

Os sonhos são livres. Quem deseja ser rico, pode sonhar que ganhou na Mega-Sena acumulada e que está jantando, à luz de velas, no terraço do Copacabana Palace ou tomando um café num bistrô em Saint Germain de Près.

Para quem prefere o amor, que tal um namoro com a magra Gisele Bundchen ou com a fofa Preta Gil?  Se o seu caso for as baixinhas, vai de Sandy, com seu jeitinho terno, seu olhar tímido e sua voz bonita. Não? Você gosta das altas? Bom, então dá uma olhada na Nikole Kidman com seus ferozes olhos azuis.

E as mulheres? Preferem o Brad Pitt ou o Denzel Washington? Ah, você é nacionalista. Então vá de Rodrigo Santoro ou de Antonio Fagundes. Mas não se esqueça: A beleza – que me perdoe o Vinícius – não é fundamental. Nelson Rodrigues, sob pseudônimo de Myrna, diz a uma de suas leitoras: “Pior do que Quasímodo, pior do que o Fantasma da Ópera, pior do que Boris Karloff – é o bonito oco, que não liga duas idéias, que jamais leu um verso, nem mesmo uma manchete, que é sensível e inteligente como um paralelepípedo”. Mas, como estamos falando de sonhos, não custa nada admitir que seu amor é bonito, inteligente, culto, educado, carinhoso, viril... Ah, e rico!

E você, homem ou mulher, como vai seu corpo? Na realidade, você anda meio gordinho(a), ocioso(a), comendo feito um condenado. Mas no sonho... No sonho é um(a) atleta, barriga tanquinho (ainda que eu não saiba o porque desse termo: “barriga tanquinho”), pele perfeita, cabelos sedosos, etc., etc. Se você for leitor, faz as mulheres suspirarem. Se for leitora faz os pedreiros assobiarem. (Tenho uma amiga que diz saber que seu corpo está em forma quando os pedreiros assobiam ao vê-la passar. Agora, ao escrever esta crônica, penso que se ela saísse mais a cidade seria mais alegre, seria uma sinfonia de assobios).

Mas, voltemos ao assunto: E a cabeça? Está com preguiça de ler, usa a desculpa de “não tenho tempo”, boceja diante de um livro? Não faz mal, no sonho você é poeta, romancista, músico, etc., etc. Um(a) intelectual, em suma.

Sim, meus três ou quatro leitores. A vida também é feita de sonhos, precisamos deles para dar uma escapulida da realidade. Mas é bom pensar que sempre voltamos a ela e, para realizar qualquer coisa é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. Em todo caso, como é Ano Novo e já que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, vamos erguer nossa taça e, juntos, matar o bicho. Nada de esquentar com o trabalho, que só começa dia dois. Sei que “o trabalho é a coisa mais bonita do mundo, eu sou capaz de ficar um dia inteiro vendo os outros trabalharem”. Por isto, tim-tim. Que 2008 seja um ano pleno para todos nós e de muito trabalho... para vocês!


 
(18 de abril/2009)
CooJornal no 628


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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