21/11/2008
Ano 12 - Número 608


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



CLANDESTINOS
UMA COMÉDIA INESQUECÍVEL

 

“Começar é o insigne privilégio da vontade. Quem nos oferece a ciência dos começos, nos faz doação de uma vontade pura”, diz Bachelard em O Direito de Sonhar.

Na peça CLANDESTINOS um grupo de jovens nos oferece este privilégio, sob a batuta de um grande diretor que lhes ensina a ciência do começo da carreira de ator, e faz ao público doação de situações hilariantes e pessoais daqueles que vêm em busca de realizações na Cidade Grande. É uma peça de fina comicidade e, como sabemos, “não há comicidade fora do que é propriamente humano”.

No prefácio de Seis Personagens à Procura de Um Autor, Pirandello, também às voltas com seres imaginários que tentam entrar em sua peça, diz que “o poeta, de longe, à revelia deles, observa durante o tempo todo esta tentativa. E procura, com ela e por ela, dar forma à sua obra”. João Falcão, autor e diretor, consegue esta forma e vai mais longe: Como um Felline alucinado, coloca-se ou coloca o autor/personagem no centro do palco, sofrendo e divertindo-se com suas criaturas, repartindo suas dúvidas e, principalmente, amando-as de maneira apaixonada.

CLANDESTINOS é Arte em grande estilo. Bela e reflexiva homenagem a todos aqueles que trabalham nesta estranha profissão – o teatro –. Momento de alegria onde percebemos, sutilmente, a essência da juventude que ainda coloca sua mochila nos ombros, monta no Rocinante e parte em busca dos sonhos e da vida.
Com um ritmo preciso, o cômico e o lírico se mesclando com perfeição, o espetáculo é um show de talento. Assisti-lo, um prazer inesquecível. É, talvez, o maior acontecimento teatral brasileiro dos últimos anos. Mas fico apenas na constatação, pois analisá-lo com minúcias é tirar do espectador a beleza da descoberta, das deliciosas gargalhadas provocadas por situações e diálogos inusitados, da grande ternura que sentimos ao ver que o sonho não acabou.

O elenco - Adelaide de Castro, Alexandro Claveaux, Bruno Ferraz, Chandelly Braz, Deborah Wood, Eduardo Landim, Emiliano D’Ávila, Fábio Enrique, Giselle Batista, Hugo Leão, Luana Martau, Michelle Batista, Pedro Gracindo e Renata Guida – é excelente. São grandes Artistas (assim mesmo com A maiúscula), cheios de energia, talento e garra.

O figurino de Kika Lopes, a luz de Paolo Denizot, a direção musical de Dino Rica, a direção de movimento de Duda Maia, se harmonizam dentro do magnífico cenário de Sérgio Marimba, que me fez imaginar o cérebro de alguns personagens machadianos com suas zonas de luz e sombra, seus trapézios de pensamentos e sonhos. Cabe ressaltar também o difícil e preciso trabalho de Jô Abdu, na Produção, assistida por Reinaldo Galvão, o cuidado da camareira Cecília e a assistência de direção de João Sanches que, com Lúcio Tavares, fotógrafo, cineasta e produtor do vídeo que registra o espetáculo, completa esta engrenagem perfeita.

Em análise anterior, sobre escultura de Zandra Coelho, citei Ítalo Calvino que, em suas conferências em Harvard, diz que a “leveza” está associada à precisão, à exatidão e à determinação, nunca ao que é vago, ao aleatório e, citando Paul Valéry, afirma que “é preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma”.

Ao contrário da pluma que segue o vento, o pássaro tem vida própria, sabe o rumo que toma. Esta é a leveza do artista criador, que brota no próprio ato de criar, como na obra de João Falcão. Ao assisti-la sentimos que estamos diante de um transformador das Artes Cênicas brasileiras.

Finalizo, pois o espaço é restrito e meus três ou quatro leitores devem estar arrepiados com tanta citação. Têm razão, mas me explico: esta é uma crônica. Não sou crítico. Sou apenas um expectador que foi assistir CLANDESTINOS, esta comédia humana, inesquecível, e saiu maravilhado. E quero repartir este maravilhamento com meus leitores e dizer a eles que assistam a peça e conheçam o mundo mágico, difícil, onírico, sério e hilariante da arte. CARPEM DIEM.

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CLANDESTINOS – texto e direção de João Falcão, com a Companhia Instável de Teatro - está sendo apresentada no Teatro Glória (Rio de Janeiro) de Quinta a Sábado às 21 h. Domingo às 19 horas.
Um conselho: Cheguem com antecedência, pois os ingressos têm se esgotado rapidamente e o público aumenta dia a dia (ou noite a noite).


 
(21 de novembro/2008)
CooJornal no 608


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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