Em suas conferências na Universidade de Harvard, Ítalo Calvino diz que a
“leveza” está associada à precisão, à exatidão e à determinação, nunca
ao que é vago, ao aleatório e, citando Paul Valéry, afirma que “é
preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma”.
Sim, ao contrário da pluma que segue o vento, precisa do vento e não tem
direção, o pássaro tem vida própria, sabe o rumo que toma. Esta é a
leveza do artista criador, que brota no próprio ato de criar, seja um
livro, um quadro, uma escultura, já com o caminho traçado. Este caminho
é o planejamento, a sensibilidade, a percepção, “um sentir, como propõe
Octávio Paz, que se localiza entre a sensação e o pensamento, entre o
sentimento e a idéia.”
Mas por que falar da “leveza” nesta manhã de domingo já, por si mesma,
tão leve? Explico: ultimamente tenho observado que o Brasil está tomando
consciência de que seus filhos, ou amigos mais ilustres devem ser
homenageados e, principalmente, lembrados para sempre. Diversas estátuas
têm sido feitas com este propósito. Quem nunca viu, pelo menos na
imprensa, a estátua de Drummond, sentado meditativo num banco da praia
de Copacabana? Quem nunca viu a estátua de Noel que integra a paisagem
de sua Vila Isabel tão querida ou ouviu falar do busto de Caymmi que
brevemente será inaugurado no Rio de Janeiro?
E nas pequenas cidades? Bem, aí a coisa se complica. Normalmente, nossos
poetas, atletas, personagens ilustres, etc., etc., são esquecidos tão
rápido quanto o vôo da pluma. E, quando são homenageados, suas estátuas
ou bustos parecem pesar sobre o solo, sem expressões humanas, tão
imóveis que levam o observador ao cansaço. Talvez por falta de
sensibilidade ou de seriedade dos artesões (não artistas) que não se
preocupam em estudar seus modelos como pessoas que têm uma alma, uma
história, um caráter, uma personalidade.
Falta leveza às nossas homenagens, o que muitas vezes torna um homem
expansivo, alegre, num busto severo, carrancudo, sem sentimentos. E aqui
abro um parêntese para lembrar que o absurdo é tanto que muitos
personagens de nossa história, mesmo tendo passado meses ou anos no
cárcere, sofrendo fome, quase cadavéricos, são retratados como figuras
musculosas, garbosas, apolíneas, pois era praxe retratar os heróis como
sendo fortes, garbosos e apolíneos.
Fecho o parênteses e continuo, lembrando que os artistas verdadeiros,
aqueles que se preocupam mais com o ser humano que com as regras,
produziram – e produzem – figuras de leveza, verdadeiros retratos de
ternura, de afeto, amizade e admiração por seus homenageados.
Esta a impressão que tive ao ver o busto de Mr. Corbin, na entrada da
Total Alimentos, criado pela Zandra, esta artista tricordiana,
brasileira, universal.
Sobre um pedestal que parece apenas tocar a grama, quase a tangenciando,
temos uma obra viva, com alma e, mesmo quem não conheceu o homenageado
pode imaginá-lo em sua integridade.
Sua expressão é leve. Seu sorriso, verdadeiro. Sua sobrancelha um pouco
levantada – que só uma verdadeira artista poderia captar – revela um
homem irônico, divertido, brincalhão, humano. Detalhes sutis. E de
sutilezas e verdade são feitas as obras de Arte, é feita a vida.
Na homenagem que a Total Alimentos prestou ao pesquisador americano, dia
15 de setembro, senti na obra de Zandra a magia da criação perpetuando a
amizade que a família Miranda sente por Mr. Corbin. Por instantes, vi
seu olhar maroto, travesso, nos observando. Alegre por estarmos alegres,
feliz por estarmos felizes e por ter sido moldado pelas mãos delicadas
de uma artista delicada que, mais que o físico, captou-lhe a alma. Sua
eterna alma de criança.
Foi isto que vi na obra de Zandra e registro nesta crônica. CARPE DIEM.