12/09/2008
Ano 12 - Número 598


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



TIRO E QUEDA



 

Antigamente havia, nas salas dos católicos, um pequeno altar onde as famílias se reuniam e faziam suas orações. Claro, eram quase sempre orações para pedir alguma coisa já que, como bons brasileiros, não nos importamos muito em agradecer.

Com o passar do tempo o altar deu lugar à TV, deixamos as orações para mais tarde ou, o mais constante, para quando precisamos de algum favor. Como dizia meu velho pai, “O mundo tá mudado!”.

É, o mundo, pois não foi só o altar que mudou mas também a posição de alguns santos na seleção do imaginário coletivo. Antigamente Santo Antonio estava em todas as seleções. Era o mais invocado pelos fiéis e, principalmente, pelas fiéis de todas as idades. Coisa natural, já que vivíamos numa época em que o casamento era a aspiração máxima de todas as mulheres e para as que não o conseguiam, ou não o desejavam, criaram até um palavrão: “solteirona”. E olha que a mulher tinha que se casar jovem, com, no máximo, 20 anos. Com trinta já era passada, era “balzaquiana”.

Como ninguém sabia o que era pedofilia as preferidas de quase todos os homens eram os “brotinhos”, como eram chamadas as adolescentes de então. Que o diga Chico Carlos, que até o fim de sua carreira ficou marcado pela gravação carnavalesca de...

“Ai, ai, brotinho/não cresça meu brotinho, nem murche como a flor./ai, ai brotinho/eu sou um galho velho/mas quero seu amor.”

Mas havia também os que faziam contraponto e criaram a expressão balzaquiana (clara referência ao personagem de Balzac) e diziam preferir mulheres mais velhas, “mais experientes”(?) e também abriam o peito no carnaval:

“Não quero broto/não quero, não quero não/não sou garoto pra viver nessa ilusão/sete dias na semana/eu prefiro ver minha balzaquiana!

Mas como gosto não se discute, voltemos aos santos – cuja preferência também não se discute.

Hoje, com o crédito fácil (e pagamento difícil), Santo Antonio perdeu a posição para Santa Edwiges, a padroeira dos endividados e para Santo Expedito, padroeiro dos aflitos e desesperados, principalmente os aflitos e desesperados com as prestações, o empréstimo bancário, a conta na farmácia, na padaria, no açougue, no supermercado, etc., etc.

Há também os santos nossos padroeiros por escolha (nossa ou de nossos pais) a quem recorremos com freqüência. O meu é São Benedito – que foi escravo em Messina e, por ser preto era chamado O Mouro –. Ele é um tremendo boa praça que tem me valido diversas vezes sem nunca reclamar. “Meu São Benedito/é santo de preto/ele bebe cachaça/ele ronca no peito”. É santo do povo, que bebe a bebida do povo e ronca no peito as canções do povo. E como, felizmente, somos um povo mestiço e herdamos o ritmo, a melodia, a poesia dos negros, somos alegres, festeiros, felizes. Tão felizes que já nascemos pensando em prazeres e confessamos isto com a maior cara de pau:

“Quando nasci dei um grito:
Ai meu Deus! Jesus me mata,
Que eu quero ser enterrado
No colo de uma mulata!

O colo de uma mulata, quer lugar melhor para passar a eternidade? Mas voltemos ao assunto. Recentemente ganhamos alguns santos que, por relatos dos fiéis, têm feito grandes e importantes milagres. E estamos torcendo por Nhá Chica, santa da devoção do meu pai e com quem converso freqüentemente.

A seleção de santos é imensa, devemos a todos por graças alcançadas ou, simplesmente, por nos terem dado exemplos de vida. Rezo por eles, mas por via das dúvidas, sigo o conselho de um amigo:

- Braz, esses santos famosos andam cheio de pedidos e não tem tempo de atender todo mundo. Arruma um santinho que ninguém conhece e reza pra ele. Como ele tá desocupado vai te atender no ato. É tiro e queda.


 
(12 de setembro/2008)
CooJornal no 598


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com 

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