Antigamente havia, nas salas dos católicos,
um pequeno altar onde as famílias se reuniam e faziam suas orações.
Claro, eram quase sempre orações para pedir alguma coisa já que, como
bons brasileiros, não nos importamos muito em agradecer.
Com o passar do tempo o altar deu lugar à TV, deixamos as orações para
mais tarde ou, o mais constante, para quando precisamos de algum favor.
Como dizia meu velho pai, “O mundo tá mudado!”.
É, o mundo, pois não foi só o altar que mudou mas também a posição de
alguns santos na seleção do imaginário coletivo. Antigamente Santo
Antonio estava em todas as seleções. Era o mais invocado pelos fiéis e,
principalmente, pelas fiéis de todas as idades. Coisa natural, já que
vivíamos numa época em que o casamento era a aspiração máxima de todas
as mulheres e para as que não o conseguiam, ou não o desejavam, criaram
até um palavrão: “solteirona”. E olha que a mulher tinha que se casar
jovem, com, no máximo, 20 anos. Com trinta já era passada, era
“balzaquiana”.
Como ninguém sabia o que era pedofilia as preferidas de quase todos os
homens eram os “brotinhos”, como eram chamadas as adolescentes de então.
Que o diga Chico Carlos, que até o fim de sua carreira ficou marcado
pela gravação carnavalesca de...
“Ai, ai, brotinho/não cresça meu brotinho, nem murche como a flor./ai,
ai brotinho/eu sou um galho velho/mas quero seu amor.”
Mas havia também os que faziam contraponto e criaram a expressão
balzaquiana (clara referência ao personagem de Balzac) e diziam preferir
mulheres mais velhas, “mais experientes”(?) e também abriam o peito no
carnaval:
“Não quero broto/não quero, não quero não/não sou garoto pra viver nessa
ilusão/sete dias na semana/eu prefiro ver minha balzaquiana!
Mas como gosto não se discute, voltemos aos santos – cuja preferência
também não se discute.
Hoje, com o crédito fácil (e pagamento difícil), Santo Antonio perdeu a
posição para Santa Edwiges, a padroeira dos endividados e para Santo
Expedito, padroeiro dos aflitos e desesperados, principalmente os
aflitos e desesperados com as prestações, o empréstimo bancário, a conta
na farmácia, na padaria, no açougue, no supermercado, etc., etc.
Há também os santos nossos padroeiros por escolha (nossa ou de nossos
pais) a quem recorremos com freqüência. O meu é São Benedito – que foi
escravo em Messina e, por ser preto era chamado O Mouro –. Ele é um
tremendo boa praça que tem me valido diversas vezes sem nunca reclamar.
“Meu São Benedito/é santo de preto/ele bebe cachaça/ele ronca no peito”.
É santo do povo, que bebe a bebida do povo e ronca no peito as canções
do povo. E como, felizmente, somos um povo mestiço e herdamos o ritmo, a
melodia, a poesia dos negros, somos alegres, festeiros, felizes. Tão
felizes que já nascemos pensando em prazeres e confessamos isto com a
maior cara de pau:
“Quando
nasci dei um grito:
Ai meu Deus! Jesus me mata,
Que eu quero ser enterrado
No colo de uma mulata!
O colo de uma mulata,
quer lugar melhor para passar a eternidade? Mas voltemos ao assunto.
Recentemente ganhamos alguns santos que, por relatos dos fiéis, têm
feito grandes e importantes milagres. E estamos torcendo por Nhá Chica,
santa da devoção do meu pai e com quem converso freqüentemente.
A seleção de santos é imensa, devemos a todos por graças alcançadas ou,
simplesmente, por nos terem dado exemplos de vida. Rezo por eles, mas
por via das dúvidas, sigo o conselho de um amigo:
- Braz, esses santos famosos andam cheio de pedidos e não tem tempo de
atender todo mundo. Arruma um santinho que ninguém conhece e reza pra
ele. Como ele tá desocupado vai te atender no ato. É tiro e queda.