Na década de 60, Nelson Rodrigues dizia que
até um pequenino câncer no seio brota por falta de amor. Nosso grande
dramaturgo, um apaixonado pelo ser humano, percebia a rapidez com que os
homens partiam para o individualismo, isto é, para a “sobrevivência
dialética”, começavam a adoecer no corpo e na alma, e lançava seu
alerta.
Na época, ainda jovem, a frase passou por mim com a rapidez com que tudo
passa pelos jovens, mas deixou seu rastro e não consegui me livrar dela.
Era como se me acompanhasse por todos os lugares e, de vez em quando, me
torturava com indagações.
Como tudo é cíclico e, diz o Eclesiastes, “não há nada de novo sobre a
terra”, hoje, já velho, leio sobre uma experiência buscando explicações
para doenças cardíacas que fizeram com coelhos na Universidade de Ohio,
nos Estados Unidos, e me recordo do mestre: Estes coelhos foram
separados em grupos e alimentados com uma dieta altamente tóxica e rica
em colesterol. A finalidade era acompanhar o bloqueio das artérias,
provocado por esses alimentos.
Como era de se esperar, a doença apareceu nos animais, mas um dos grupos
apresentou um nível da gordura 60% menor que o restante, para surpresa
dos pesquisadores.
Estudaram daqui, pesquisaram dali até que descobriram que, enquanto os
que adoeceram eram tratados de maneira fria, quase mecânica, o grupo que
apresentava a menor taxa de colesterol era cuidado por um estudante que
os acariciava, diariamente, na hora do trato, transmitindo-lhes carinho.
Em suma, o estudante amava os bichinhos e a reciprocidade do amor
ajudou-os a suportar a dieta tóxica, a reagirem a favor da saúde, a
favor da vida.
Este fato é revelador, num momento em que estamos assistindo não apenas
ao avanço da doença mas do desamor entre nós, humanos, e em relação ao
planeta. Estamos nos odiando por nada, estamos devastando a terra com
nossas moto-serras, agredindo-o com o fogo, modificando sua ordem
natural.
Não sei que filósofo – ou físico – disse que “Quando o elétron vibra, o
universo estremece”. Que bela compreensão de nossa unidade cósmica. Que
lição de vida há por trás destas palavras.
Talvez lá no fundo, em nosso gene ancestral sabemos disso, no entanto
nos preocupamos com a saúde do corpo e o destruímos com alimentos
absurdos, drogas fatais, ódio e egoísmo. Queremos viver mais, fugimos da
morte como o diabo foge da cruz, e nos separamos de nossa alma imortal,
que é a fonte primordial da vida. Nos separamos de nosso próximo,
assassinamos em nós o amor, seja por uma pessoa, seja por nossa mãe, a
terra. Estamos fragmentados e envenenados. O universo estremece e não
percebemos, não compreendemos a frase do filósofo, agora me lembro seu
nome: Sir Arthur Eddington.
O século XXI, que deveria ser o século da leveza – como nos afirmou
Ítalo Calvino – está se iniciando como o século das catástrofes. Todos
os dias vemos destruição de nações por causa do petróleo, de países por
causa do poder, das florestas pela ganância do dinheiro. Destruição do
Ser Humano pela ganância, falta de fé e de esperança. E, mesmo assim,
continuamos.
A nave de prospecção Phoenix Mars Lander descobre gelo em Marte e,
consequentemente, água, o que pode ser um sinal que lá houve ou há vida,
e ficamos felizes. Amamos o mistério mas desdenhamos o conhecido e “A
existência de que estamos mais certos e que melhor conhecemos é
incontestavelmente a nossa própria”. Por isto descuidamos tanto dela,
mesmo sabendo que estamos de passagem por este pequeno planeta azul e
que a viagem consciente é breve.
Um pequenino câncer no seio brota “por falta de amor”, disse o velho
Nelson, e não “por falta de ser amado”. O amor, é em nós que ele existe
e só o conseguiremos no dia em que desaprendermos tudo, que começarmos
nos reconstruir com simplicidade e sabedoria. No dia em que não
precisarmos virar a outra face, mas nos olharmos nos olhos e nos
entrelaçarmos num abraço de ternura. Carpe Diem.