07/06/2008
Ano 11 - Número 584
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
FELICIDADE
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Com o relógio biológico desregulado – acho que, por causa da idade, já
está com a data vencida – acordo às 3 horas da manhã e, para não ficar me
revirando na cama, vou até a estante e pego uma revista sobre folclore
brasileiro. Abro-a ao acaso e, lá dentro, encontro um velho marcador de
páginas, já amarelado, com a propaganda sobre o lançamento do livro “SOBRE
A FELICIDADE”, de Teilhard de Chardin. Não o li, mas o assunto me provoca
e fico pensando sobre esta palavra subjetiva e enigmática que desperta
tantas discussões, indagações. Que é e será tema constante em toda a
humanidade, em todas as épocas.
O que é a FELICIDADE? Também me indago, já que, ultimamente, ando
insatisfeito e pouco tolerante com o excesso de mediocridade, de
violência, de ganância e com a falta de fé e solidariedade humana. E aqui
abro um parêntese para indagar se vocês, meus três ou quatro leitores, já
pararam para pensar como o espírito de solidariedade anda em baixa, como o
ódio está se alastrando, às vezes por coisas idiotas como a inveja ou,
simplesmente, por bens materiais passageiros, futuras ruínas e como a
felicidade anda fugidia? Já notaram que as mais belas palavras de Cristo,
“Amai-vos uns aos outros”, estão sendo substituídas por “Matai-vos uns aos
outros”? Já perceberam que temos nos matado não apenas com balas e
granadas, mas também com sentimentos doentios que escondemos nos lugares
mais obscuros de nossa alma, se é que podemos chamar de alma aquilo que
odeia, aquilo que assassina o outro dentro de si? Teria razão Turgueniev
quando disse que “A felicidade de todo homem é construída sobe a
infelicidade outro.”?
Mas voltemos ao assunto. O que é a felicidade? Filósofos já se debruçaram
sobre o tema, religiosos já a ensinaram de seus púlpitos ou palanques,
discussões acaloradas já se formaram tentando defini-la.
Recorro ao Aurélio e encontro o seguinte: “Diz-se do que é válido para um
só sujeito e que só a ele pertence, pois integra o domínio das atividades
psíquicas, sentimentais, emocionais, volitivas, etc. deste sujeito.” OK.
Ela é válida para um só sujeito. Às vezes é tão individual que chega até
invalidar a do outro, como é o caso na separação dos amantes quando um
deles ainda ama. Ou em transações comerciais quando um descobre que o
outro lhe passou a perna.
Mas vamos para outro campo, como o da música, por exemplo: Lupicínio
Rodrigues, sabiamente, dá-lhe um toque de transitoriedade (“Felicidade foi
embora/e a saudade em meu peito ainda mora/e é por isso que eu gosto lá de
fora/porque sei que a falsidade não vigora...”) e nos afirma que para
sermos felizes não podemos conviver com a falsidade. Mestre Lupicínio sabe
que o falso, a mentira, é arma do diabo, que para sermos felizes
precisamos viver com a verdade, com a autenticidade, com a limpeza da
alma. Já Carmen Miranda, com aquele seu jeito brejeiro diz que “Para eu
ser feliz preciso de um bom prato de sopa e a liberdade para cantar”. De
fato, um bom prato de sopa é de dar água na boca em qualquer um. E ser
livre é condição essencial para a vida. É, Carmen não foi notável apenas
na música, mas em sua filosofia moleca, aprendida nos botequins da vida
com Noel Rosa, Vadico e tantos outros mestres.
Na publicidade, há tempos atrás, diziam que “a felicidade é uma calça
velha azul e desbotada”. Só se esqueceram de dizer que esta era a
felicidade dos ricos, pois os pobres, já cansados de tantas
quinquilharias, preferem as coisas novas, isto é, as calças novas, tão
sonhadas e quase sempre impossíveis para seus bolsos rasos.
Agora, quase quatro horas da manhã, felicidade para mim seria dormir mais
um pouco, ainda que Mario da Silva Brito, lá pelos idos de 1916, dizia que
“dormir é morrer a prestações”, o que me deixa encabulado já que tenho
medo de não poder pagar e ficar com a alma penando por aí... sem dormir.
Mas a cama está aqui, a meu lado, e o cobertor quentinho. Foi burrice
minha me preocupar com um simples marcador de livro. Mas se não me
preocupasse não teria escrito esta crônica. E se não escrevesse a
crônica... Ah, é melhor deixar tudo de lado, apagar a luz, relaxar a
mente, fechar os olhos e murmurar com Mário Quintana:
“Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz.”
(07 de junho/2008)
CooJornal
no 584
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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