19/05/2008
Ano 11 - Número 581
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
PENA QUE ELA SEJA UMA PROSTITUTA
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Na década de sessenta foi encenada no Brasil a peça PENA QUE ELA SEJA UMA
PROSTITUTA, escrita por John Ford, no século 16, quase final da
Renascença, que por pudicícia da ditadura de então teve seu nome trocado
para PENA QUE ELA SEJA O QUE É. Trocou-se o nome, mas a essência (e a
excelência) da obra continuou a mesma e o público, que naquela época ainda
se indignava, compareceu em massa.
É uma peça violenta, onde vários assassinatos são mostrados em cena, mas o
que mais choca a platéia é a morte de um pobre diabo apunhalado numa viela
escura. E por que o choque? Porque o assassinato foi cometido por engano.
Foi uma morte inútil, sem motivos, e aceitá-la seria aceitar sua
banalização e constatar que todos nós estaríamos expostos a ela.
Hoje, meio século depois, vemos – pela TV, é claro – países serem
destruídos pelo fanatismo religioso ou, o que pior, pelo fanatismo do
petróleo, do dinheiro, como nos mostra George Bush, a nova besta do
apocalipse. Este senhor, com sua empáfia, com sua ignorância, com o buraco
negro que ocupou o lugar de sua alma, está semeando a discórdia entre os
povos, a falta de fé e irmandade entre os homens, levando o mundo ao caos,
à destruição.
Do ponto de vista local, vemos, no Brasil, grandes cidades viverem o
horror do tiroteio cotidiano, a insegurança, a desconfiança, o ódio. Em
São Paulo e Rio, só para citar algumas, todos sabemos que o tráfico de
drogas de drogas é financiado pelos consumidores da classe média e dos
milionários que, com o maior descaramento, são os que mais protestam, já
que o povo – o povo verdadeiro – que sente no corpo esta tragédia, tem que
ganhar o pão de cada dia.
“Pra hoje Deus deu!”, foi a oração que ouvi de uma pobre mulher num
casebre de Pernambuco - ao repartir comigo seu único e miserável prato, há
muitos anos - como demonstração de gratidão e grandeza. O povo vive o dia
a dia e, seja nas favelas das grandes cidades ou na periferia das
pequenas. É movido pela coragem e pelos sonhos, pela fé e pela sua
verdade.
Vemos esta violência chegar em nossas pequenas e, até então, pacatas
províncias onde a vida corre tão alienada que protestamos mais pela
eliminação de um cão enfurecido ou pelo corte de uma árvore plantada em
lugar indevido que pela morte da alma daqueles que não têm acesso a,
muitas vezes, nem um prato de comida.
Ah, como nos enganamos a nós mesmos quando batemos no peito, fazemos
nossas orações e nos consideramos filhos de Deus e, ao mesmo tempo,
tapamos o nariz (e a consciência) quando passamos diante de um mendigo ou
de um doente que nos estende as mãos pedindo uma moeda, esquecidos que
eles são nossos irmãos, nossos semelhantes!
Nós sabemos que o Brasil luta a duras penas para se desenvolver. (Que
pátria abençoada esta que vem sendo espoliada desde seu descobrimento e
ainda se mantém de pé). Somos um grande povo que nunca se abate, que canta
suas dores, brinca com suas mazelas, etc. Um povo trabalhador, que acorda
às quatro, cinco horas da manhã, dá graças por ter um emprego, na maioria
das vezes mal pago, e está sempre sorrindo, ciente que é preciso
continuar. E continua.
E como tentamos enganar este povo, nós que sabemos que a violência é fruto
da desigualdade social, é fruto do desespero dos famintos e da
inconsciência da classe dominante. Como nos camuflamos, não fazemos nada,
e covardemente passamos a bola pra frente jogando a culpa apenas nos
governantes e, por termos boas intenções (às vezes), nos julgamos anjos e,
para não sujarmos as mãos nem as asas, trancamos nossas portas, colocamos
grades em nossas janelas e dormimos o sono dos justos. Drummond tem um
poema que diz:
“Era uma vez um Czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade.”
Como é oportuno este poema, principalmente para nós que escrevemos
crônicas e temos um compromisso com a verdade. A verdade é sagrada. Estar
com ela, hoje e sempre, é evitar que as novas gerações exclamem: “PENA QUE
ELA SEJA UMA PROSTITUTA”. Carpe Diem.
(17 de maio/2008)
CooJornal
no 581
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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