26/04/2008
Ano 11 - Número 578
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
A LÍNGUA HUMANA
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Vou começar esta crônica transcrevendo um parágrafo de Nelson Rodrigues:
“O ser humano é o único que se falsifica. Um tigre há de ser tigre
eternamente. Um leão há de preservar, até morrer, o seu nobilíssimo
rugido. E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece. Nunca vi
um marreco que virasse outra coisa. Mas o ser humano pode, sim,
desumanizar-se. Ele se falsifica e, ao mesmo tempo, falsifica o mundo”.
Mas, por que comecei citando o mestre? Porque sou tricordiano e estou
vendo que nós estamos nos falsificando com a cara mais lambida do mundo.
Tenho a impressão que, todas as manhãs, saímos às escondidas e procuramos
a pedra mais próxima para afiar nossa língua e planejar as falsificações.
Sim, porque além de falsários temos a língua afiada. Se alguém duvida, é
só parar numa esquina, numa praça, num botequim e aguçarmos os ouvidos. Em
dois minutos ouviremos alguém metendo o pau na cidade, palavras saindo de
bocas como dardos.
Mas estou me estendendo e não é sobre isto que quero falar. Quero falar
sobre a dengue, a doença assunto-do-momento. Todos sabemos que, por causa
dela, o Rio está uma calamidade. Sabemos que, por causa do excesso de
chuvas, o mosquito transmissor se multiplicou de Norte a Sul do Brasil de
maneira impressionante. O mundo inteiro está alertando os turistas para
que tomem cuidados se vierem, ou quando vierem, ao Brasil.
Todos sabemos que, em nossa cidade, graças ao trabalho preventivo que vem
sendo feito há anos, não temos nem um – isto mesmo, nem um - caso da
doença. O serviço que faz seu combate tem demonstrado uma capacidade e uma
dedicação digna de elogios. Há muito tempo os responsáveis visitam nossas
casas, escritórios, etc., com dedicação, consciência e paciência de Jó.
Nosso serviço de Saúde Pública dá uma lição ao país, mas, por motivos
torpes, ou por ser ano eleitoral, as carpideiras já começaram a espalhar
seus boatos. Afirmam que estamos infestados pela moléstia, que somos um
povo doente. Ah, quantas mentiras, quanta vilania, para denegrir a imagem
daqueles que trabalham.
Vamos nos deter neste parágrafo para dizer que a dengue chegará aqui, sim.
Isto é o óbvio. Chegará aqui, assim como chegará a todas as cidades
brasileiras e latino americanas. Não há como nos cercarmos com uma tela
gigantesca e nos isolarmos com ela. Chegará como chegou a gripe, a
conjuntivite, etc., etc. Mas não será a epidemia pela qual torcem os
inimigos da vida e da cidade. Três Corações, repito, tem uma equipe
exemplar que a combate e está preparada para enfrentá-la, mesmo que os
maus cidadãos atirem plásticos e latas nas ruas, nas margens dos rios, nos
fundos de quintais. Mesmo que não verifiquem as caixas de água e as calhas
de suas casas. Aliás, este é um lugar ao qual todos deveríamos estar
atentos e, quase sempre, deixamos pra lá por serem de difícil acesso: as
CALHAS. Sim, meus três ou quatro leitores, verifiquem suas calhas,
agradeçam por ter um serviço de saúde excelente e fujam dos pessimistas
como o diabo da cruz.
Mas estou me alongando e, já que iniciei esta crônica com Nelson, vou
terminar com Nelson que, por ser gênio, enxergava com mais grandeza e mais
detalhes o que passa despercebido a este simples escriba tricordiano.
Dizia o ele: “Pode parecer uma verdade exagerada, violentada, mas eu diria
o seguinte: - no Brasil, a glória está mais no insulto do que no elogio.
Se não me entendem, paciência. Mas ouçam uma boa e honrada conversa de
brasileiros com brasileiros. Reparem como nós cochichamos o ditirambo e
berramos o ultraje. Por coincidência, só ultrajamos os melhores”.
A verdade do mestre não é exagerada. Preferimos o insulto ao elogio, mesmo
que insultemos o que vai bem, os que batalham por nossa saúde. E “por
coincidência só ultrajamos os melhores”.
Como disse no sexto parágrafo, encerrei a crônica com Nelson Rodrigues
mas, para fechar o assunto, este poema de Fagundes Varela vai como bônus a
meus três ou quatro leitores: “- Qual a mais forte das armas,/ A mais
firme, a mais certeira?/A lança, a espada, a clavina,/Ou a funda
aventureira?/A pistola?/O bacamarte?/A espingarda, ou a flecha?/O canhão
que em praça forte/ Faz em dez minutos brecha?/- Qual a mais firme das
armas?/ - O terçado, a fisga, o chuço,/O dardo, a maça, o virote?/A faca,
o florete, o laço,/O punhal, ou o chifarote?.../A mais tremenda das
armas,/Pior que a durindana,/Atendei, meus bons amigos:/Se apelida: - a
língua humana!”
(26 de abril/2008)
CooJornal
no 578
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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