23/02/2008
Ano 11 - Número 569
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
O HUMOR E AS MAZELAS |
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Houve um tempo em que o humor brasileiro era leve, quase ingênuo e, ao
mesmo tempo, uma poderosa arma contra nossos males particulares e,
principalmente, os males da nação.
Um bom exemplo era o programa BALANÇA MAS NÃO CAI, apresentado na Rádio
Nacional. Na época governava o país o mais democratas de seus presidentes,
Juscelino Kubitschek, mas, apesar do desenvolvimento impulsionado por ele,
existia – existe até hoje - desigualdades sociais gritantes e Max Nunes,
no quadro O Primo Rico e o Primo Pobre, fazia sua crítica:
PRIMO RICO – É primo, a situação está péssima. Ignóbil, abracadabrante,
crocodilesca... mas eu me preocupo com você. Afinal somos do mesmo sangue.
Meu pai tinha o mesmo sangue que o seu pai...
PRIMO POBRE: É primo, mas você ficou com o sangue todo. Outro dia fui
fazer um exame para saber quantos glóbulos vermelhos eu tinha.
PRIMO RICO: E qual foi o resultado? Quantos milhões de glóbulos?
PRIMO POBRE: - Quem sou eu pra ter milhões, primo. O resultado deu um
glóbulo só.
PRIMO RICO: Só um?
PRIMO POBRE: É. Ele dá sozinho a volta no meu corpo. É por isso que estou
sempre tão fraco e com fome. Aliás, lá em casa, sustentar aqueles meninos
é que tem sido a minha dor de cabeça.
PRIMO RICO: Não me fale em dor de cabeça, primo, que eu tive uma de rachar
na noite passada. Acho que foi do fígado, por causa de umas rãs a dorê que
comi no jantar.
PRIMO POBRE: Rã a dorê?
PRIMO RICO: Sim, por quê? Você também come rã à dorê?
PRIMO POBRE: - Quem sou eu, primo? Lá em casa eu ando de olho é numa
lagartixa.”
Estava tudo ali: o humor, a crítica social e, principalmente, o talento
dos grandes escritores, radialistas, técnicos e atores. QUEM SOU EU,
PRIMO! virou bordão nacional e era dito em todas as camadas sociais, isto
é, por todos os “primos”.
O Brasil se desenvolvia e começavam a surgir as escolas de
“especialização”. Aulas de postura, de como andar na passarela, de como
falar melhor, etc., etc., e Max Nunes saiu com esta:
GAGO: o... ca...ca...cavalheiro po...poderia me in...formar on... onde é..
que...que... tem por.. a...a...aqui.. u...u...uma esco... esco...escola
pra...ga..gagos?
CAVALHEIRO: - Para que o senhor quer escola, se já está gaguejando tão
bem?
Na literatura o humor também lançava suas setas contra os maus costumes.
Rubem Braga, em crônica de 1951, nos conta a história de um bêbado que “ia
pela rua e um enorme jacaré ia atrás dele. Cada vez que o homem entrava em
um bar o jacaré gritava: Bêbado! Quando o homem saía de um bar para entrar
em outro, o jacaré gritava outra vez: bêbado! Até que uma hora o homem
perdeu a paciência, agarrou o jacaré pelos queixos e o virou pelo avesso,
jogando-o a um canto da calçada. Quando saiu do bar o jacaré lhe disse – odabeb! – que é bêbado de trás para diante.”, isto é: “bêbado” do avesso.
É, a situação estava do avesso e o mestre Braga, como sempre, atento.
Na música não era diferente. Numa época em que faltava água nas grandes
cidades, o humor/crítico puxava o cordão carnavalesco. Querem um exemplo?:
“tomara que chova/três dias sem parar/a minha grande mágoa/é lá em casa
não ter água/nem pra cozinhar” ou “lata d’água na cabeça/lá vai
Maria/desce o morro e não se cansa/pela mão leva a criança/lá vai
Maria”...
Hoje, como tudo no mundo, o humor mudou. Tornou-se mais direto, cáustico,
corrosivo, sem metáforas, mas seu espírito continua. O humor foi, é, e
será sempre, a cara do Brasil, este país que sofre com a violência, com as
desigualdades sociais, as mazelas do terceiro mundo, mas que sabe levantar
a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Este o nosso dom:
sabemos que tropeçamos e caímos, mas seguimos em frente rindo de nós
mesmo. E bendito o povo que sabe rir de si mesmo. Bendito o povo que
constrói uma Pátria cheia de alegrias. CARPE DIEM.
(23 de fevereiro/2008)
CooJornal
no 569
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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