29/12/2007
Ano 11 - Número 561


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak

 

AS COISAS MAIS SIMPLES

Leio, maravilhado, que cientistas anunciaram a descoberta de um novo planeta centena de vezes maior que a terra. Fico alguns instantes meditando, visualizando o universo, o Caos perfeito, o Caos de cada instrumento tocando uma nota diferente mas que, no todo, resulta em harmonia, na grande sinfonia cósmica, e recolho-me à minha humildade contemplativa.

Como tenho compromisso de escrever, minimizo a internet, abro o Word e começo esta crônica que, pretendo, será uma crônica de maravilhamento e humildade.

Maravilhamento por sentir que nós, pequeninos seres de um planeta pequenino, somos capazes de descobrir corpos tão distantes no universo que temos vontade de gritar a descoberta e, ao mesmo tempo, somos capazes de criar obras monumentais como o David (de Miguelangelo), a Monalisa, a Divina Comédia, as peças de Shakespeare, as sinfonias dos grandes mestres, etc., etc. Somos capazes de criar ritmos celestiais e ritmos primitivos. Somos capazes de criar tudo, somos feitos à imagem, semelhança, sonho e ousadia de Deus.

Crônica de humildade porque compreendo nossa condição diminuta, menor que uma poeira cósmica, menor que a mônada e, no entanto damos graças ao criador e compreendemos que Ele nos fez assim para que se fechasse o círculo da criação que começa com um olhar, uma carícia, e continua com o encontro de um espermatozóide e um óvulo microscópico que se fundem e, pouco a pouco, se transforma num ser único que virá à luz. Um ser cuja inteligência é capaz de descobrir que, além de nós, longe de nós, existem milhares, milhões de planetas centenas de vezes maior que o nosso.

São duas horas da manhã e está chovendo. Interrompo a escrita desta crônica – ela já está em mim - e sento-me, sozinho, na varanda observando a água, as plantas, a terra do jardim. Tudo está interligado. A água continua sua missão, que começou com o mundo, de correr para os rios, matando sedes, fazendo brotar as árvores, os frutos, os grãos que alimentam a vida, até encontrar o mar. Escuto as plantas que falam em sua linguagem silenciosa, que só elas entendem, dando graças à chuva. Por um momento ouço, em minha memória afetiva, Cartola dizendo que as rosas não falam, “As rosas simplesmente exalam/o perfume que roubam de ti”. Que bela imagem, que bela homenagem à mulher amada da qual ainda está presente a imagem, o cheiro, a dor da separação.

As rosas de Cartola não falaram naquele momento de imensa tristeza, porque respeitaram a criação do poema, a epifania do mestre. Benditos sejam os três, poeta, rosas e mulher por nos legarem esta obra de singela beleza. Benditos os artistas por compreenderem a simplicidade da poesia que existe em todas as coisas: no vazio da separação, na descoberta de um planeta ou na constatação de estrelas que não existem mais.

Bendito sejas, planeta descoberto, e bem vindo ao nosso convívio. Agora sabemos que caminhamos juntos nesse infinito OM. Que caminhamos juntos, até que um dia sejamos todos rastros de luz, e alguém nos louvará como Manuel Bandeira louvou outras constelações que – quem sabe? - um dia fomos nós:

“Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo – que foi? Passou – de tantas estrelas cadentes.
A aurora apagou-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
- quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


 
(29 de dezembro/2007)
CooJornal no 561


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com