26/05/2007
Ano 11 - Número 530


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



OS MELHORES CONTOS DE LOUCURA

Bela e importante a antologia OS MELHORES CONTOS DE LOUCURA organizada por Flávio Moreira da Costa. Nela podemos nos aprofundar e, por que não?, nos divertir com alguns dos melhores contos da literatura universal sobre o assunto e relembrar vários de nossos grandes escritores que transitaram por este território sombrio ou fantástico da mente humana.

Ao lado de Antonin Artaud, Van Gogh, Tchekhov, Bukowski, etc., encontramos nosso magistral Machado de Assis, o misterioso Samuel Rawet (o mesmo de O Terreno de Uma Polegada Quadrada), Maura Lopes Cançado, Lima Barreto, Carlos Sussekind, e tantos outros, cada um com seu testemunho e sua arte que Flávio, sabiamente, dividiu em Loucura e Cotidiano, Loucura e Drogas, Loucura Clínica e Loucura e Testemunho o que nos permite ler com mais clareza, ter um discernimento maior deste grande mistério da mente e da alma humana que ainda chamam “loucura”.

São 34 textos apaixonantes que, longe de serem didáticos, contam histórias. Flávio, como grande escritor que é, sabe que a história é necessária para que a literatura continue vivendo com sua força criadora e demolidora, crítica e poética. Viver é contar. Aliás, o melhor exemplo desta afirmativa está em AS MIL E UMA NOITES onde Cheherezade precisa contar uma história por noite para continuar viva. Aliás, neste mesmo livro um personagem – o médico de Duban – não tem permissão do rei para contar a história do crocodilo e morre decapitado. Como vingança, deixa de presente, ao rei que o condenou, um livro cujas páginas estão coladas e em branco. O rei as folheia, molhando os dedos nos lábios, procurando a história que não existe , se envenena e morre. “O livro que não conta nenhuma narrativa mata. A Ausência de narrativa significa a morte.” Mas este é outro assunto, que já foi tratado por Borges, por Piglia, por Todorov e tantos outros, de maneira definitiva.

Voltemos a OS MELHORES CONTOS DE LOUCURA, já que meu espaço é pequeno e nele não cabe análises mais profundas ou demoradas. Deixemos a profundeza para a leitura da obra – a profundeza do prazer, já que os contos são, em sua maioria, revestido de humor, de ternura, de humanidade. Flávio Moreira da Costa soube, como sempre, peneirar o que há de melhor no gênero para nos presentear.

Cabe também um elogio aos tradutores. Boris Schnaiderman, Rubens Figueiredo, J. Guinsberg, José Paulo Paes, Léo Schlafman, Celina Portocarrero e o próprio Flávio, são mestres neste trabalho. A eles devemos muitas revelações e o respeito aos traduzidos.

Você poderá se comover com Pirandello, rir com Machado, redescobrir Qorpo Santo, etc., etc. Você poderá viajar por este universo infinito. E “Como são infinitas as formas de enlouquecer! Por embriaguez, por paixão, por abandono, por estupidez, por desmesura, por vaidade, por medo – a lista é interminável”, como disse Maria Rita Kehl sobre esta antologia. Você pode, como eu, recordar momentos sublimes da união das Artes, como, por exemplo, a interpretação de Rubens Corrêa em DIÁRIO DE UM LOUCO, na década de 60, em espetáculo dirigido por Ivan de Albuquerque, que foi um marco de beleza em nosso teatro. Agora, este mesmo conto está novamente entre nós, grandioso, belo, como tudo que Gogol escreveu.

“A inconsciência de uma pedra que cai é uma inconsciência nula: a pedra não tem o menor sentimento da sua queda”, nos afirma Bérgson em A Evolução Criadora. A inconsciência daqueles que não percebem que esses “loucos geniais” – aqui representados nesta antologia – são muitas vezes os formadores da “consciência não criada da raça”, é mutiladora, paralisante, mas talvez seja por causa dela, em reação contrária a ela, que existiu um Van Gogh, um Artaud, um Poe, um Machado de Assis e seu Alienista e todos estes criadores que aqui se encontram, e por mais paradoxal que seja, aqui, a palavra “encontro”, ela nos trás a vida.

“Caos é a palavra que usamos para explicar ordem não compreendida”, já nos ensinou Miller. “Loucura” é a palavra que usamos para designar a lucidez que não possuímos. OS MELHORES CONTOS DE LOUCURA é um caminho para que começamos a entender, admirar e amar a esses “malucos geniais”, que nos deixaram grandes tesouros, grandes riquezas, que agora se encontram nas páginas deste livro. Boa leitura e CARPEM DIEM.            



 
(26 de maio/2007)
CooJornal no 530


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com