Braz Chediak
COMO NA TELEVISÃO |
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No PROGRAMA RAUL GIL tem um
quadro chamado PRA QUEM VOCÊ TIRA O CHAPÉU? em que artistas, políticos,
atletas, etc., tiram ou não o chapéu para determinada pessoa, cidade,
música, etc. O quadro é um sucesso que atravessa os anos sempre com o
mesmo interesse, dado à técnica (e simpatia) do apresentador que mantém o
público e o telespectador em suspense até seu final. Assistindo-o semana
passada recordei-me da velha disputa entre Brasil e Argentina e,
principalmente, da discussão de quem é o melhor do mundo: Pelé ou
Maradona? Até hoje não chegamos a um acordo bilateral sobre o assunto o
que, sempre que há copa do mundo, aumenta a animosidade e os brios de
ambos os povos, como se tudo fosse coisa programada para faturar mais uns
trocados, ou melhor, alguns milhões. Mas, e fora do campo?
Na literatura nós tiramos o chapéu para Jorge Luís Borges e eles tiram o
chapéu para Guimarães Rosa. Na música tiramos o chapéu para o tango e eles
para o samba. Na pecuária tiramos o chapéu para o plantel leiteiro deles e
eles para nosso rebanho de corte, no mundo canino eles tiram o chapéu para
nosso valoroso fila brasileiro e nós tiramos o chapéu para o valente dogo
argentino.
Nós tiramos o chapéu para suas livrarias: só em Buenos Aires existem mais
livrarias do que em todo o território brasileiro. Ponto para eles.
No teatro eles tiram o chapéu para o maior dramaturgo do século XX, Nelson
Rodrigues. Ponto para nós.
No quesito heróis nacionais tiramos o chapéu para Che Guevara. Eles tiram
para Tiradentes. No quesito mulher... As argentinas são de uma beleza
extraordinária, peles de pêssego, lábios rosados, inteligentes, sensíveis.
As brasileiras, belíssimas com suas peles morenas, corpo malhado, cheias
de sensibilidade, inteligência e talento. Para elas, argentinas e
brasileiras, tiramos nossos chapéus mutua e rapidamente.
Mas até quando ficaremos nessa picuinha e não aproveitamos a proximidade
para nos curtirmos mais, nos relacionarmos mais, já que somos povos
vizinhos e irmãos?
Esta semana tivemos uma boa notícia, publicada no jornal O Globo: “Todos
os argentinos que moram no Brasil e os brasileiros que moram na Argentina
têm agora os mesmos direitos civis, sociais, culturais e econômicos que os
demais cidadãos dos países onde moram. Em especial, têm agora o direito de
trabalhar e abrir empresas legalmente.” Isto é ótimo, já que mais de 35
mil brasileiros moram na Argentina e quase 60 mil argentinos moram no
Brasil. Em ambos os países, uma grande parte na ilegalidade.
O cônsul argentino em Brasília, Mariano Jordan, vibrou: “... Agora, os
dois países abriram, na prática, as portas um para o outro. O cidadão de
um país pode disputar o mercado de trabalho em pé de igualdade com o
trabalhador do outro país!”.
É claro que as pequenas disputas não cessarão, principalmente no que diz
respeito ao futebol. Aliás, isto é praxe no “nobre esporte bretão”, haja
visto a briga entre as torcidas dos clubes tradicionais que chega, quase
sempre, às raiais da loucura. OK, futebol é paixão e paixão quase sempre
leva ao exagero. Mas, além das relações esportivas e comerciais, podemos
incentivar as relações artísticas entre os dois países. Claro que aí
também há disputa, mas é intelectual, exigindo que cada um se aperfeiçoe
mais, dê mais de si para superar o concorrente. No final sempre nos
aplaudimos, uns aos outros, e agradecemos a beleza que nos é transmitida
pela Arte. Por todas as Artes.
Que bom que eles tenham Borges, Cortázar, Arlt, etc. Que bom que temos
Machado, Guimarães Rosa, Drummond, João Cabral, etc. Que bom que eles
tenham um balé extraordinário. Que bom que temos um balé extraordinário.
Que maravilhoso é o tango. Que maravilhoso é o samba. Quem sabe um dia
desfilaremos juntos na Calle Florida, ao som dos pandeiros e tamborins ou
no sambódromo ao som do bandoneon? Maradona se vestirá de camisa listrada
e Pelé de bombachas, botas e espora, se darão as mãos e abraçados cantarão
o samba de Assis Valente:
“Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente
Num batuque de matar...”
Talvez neste dia compreenderemos que todos fazemos parte do mesmo
continente e, ao invés de disputas picuinhas, temos mais é que nos unir,
nos reconstruir, sair do 3º mundo. Talvez neste dia todo o planeta nos
olhe e, abrindo alas, nos tire o chapéu. Como no Programa do Raul Gil.
(09 de setembro/2006)
CooJornal
no 493