09/09/2006
Ano 10 - Número 493


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



COMO NA TELEVISÃO

 

No PROGRAMA RAUL GIL tem um quadro chamado PRA QUEM VOCÊ TIRA O CHAPÉU? em que artistas, políticos, atletas, etc., tiram ou não o chapéu para determinada pessoa, cidade, música, etc. O quadro é um sucesso que atravessa os anos sempre com o mesmo interesse, dado à técnica (e simpatia) do apresentador que mantém o público e o telespectador em suspense até seu final. Assistindo-o semana passada recordei-me da velha disputa entre Brasil e Argentina e, principalmente, da discussão de quem é o melhor do mundo: Pelé ou Maradona? Até hoje não chegamos a um acordo bilateral sobre o assunto o que, sempre que há copa do mundo, aumenta a animosidade e os brios de ambos os povos, como se tudo fosse coisa programada para faturar mais uns trocados, ou melhor, alguns milhões. Mas, e fora do campo?

Na literatura nós tiramos o chapéu para Jorge Luís Borges e eles tiram o chapéu para Guimarães Rosa. Na música tiramos o chapéu para o tango e eles para o samba. Na pecuária tiramos o chapéu para o plantel leiteiro deles e eles para nosso rebanho de corte, no mundo canino eles tiram o chapéu para nosso valoroso fila brasileiro e nós tiramos o chapéu para o valente dogo argentino.

Nós tiramos o chapéu para suas livrarias: só em Buenos Aires existem mais livrarias do que em todo o território brasileiro. Ponto para eles.

No teatro eles tiram o chapéu para o maior dramaturgo do século XX, Nelson Rodrigues. Ponto para nós.

No quesito heróis nacionais tiramos o chapéu para Che Guevara. Eles tiram para Tiradentes. No quesito mulher... As argentinas são de uma beleza extraordinária, peles de pêssego, lábios rosados, inteligentes, sensíveis. As brasileiras, belíssimas com suas peles morenas, corpo malhado, cheias de sensibilidade, inteligência e talento. Para elas, argentinas e brasileiras, tiramos nossos chapéus mutua e rapidamente.

Mas até quando ficaremos nessa picuinha e não aproveitamos a proximidade para nos curtirmos mais, nos relacionarmos mais, já que somos povos vizinhos e irmãos?

Esta semana tivemos uma boa notícia, publicada no jornal O Globo: “Todos os argentinos que moram no Brasil e os brasileiros que moram na Argentina têm agora os mesmos direitos civis, sociais, culturais e econômicos que os demais cidadãos dos países onde moram. Em especial, têm agora o direito de trabalhar e abrir empresas legalmente.” Isto é ótimo, já que mais de 35 mil brasileiros moram na Argentina e quase 60 mil argentinos moram no Brasil. Em ambos os países, uma grande parte na ilegalidade.

O cônsul argentino em Brasília, Mariano Jordan, vibrou: “... Agora, os dois países abriram, na prática, as portas um para o outro. O cidadão de um país pode disputar o mercado de trabalho em pé de igualdade com o trabalhador do outro país!”.

É claro que as pequenas disputas não cessarão, principalmente no que diz respeito ao futebol. Aliás, isto é praxe no “nobre esporte bretão”, haja visto a briga entre as torcidas dos clubes tradicionais que chega, quase sempre, às raiais da loucura. OK, futebol é paixão e paixão quase sempre leva ao exagero. Mas, além das relações esportivas e comerciais, podemos incentivar as relações artísticas entre os dois países. Claro que aí também há disputa, mas é intelectual, exigindo que cada um se aperfeiçoe mais, dê mais de si para superar o concorrente. No final sempre nos aplaudimos, uns aos outros, e agradecemos a beleza que nos é transmitida pela Arte. Por todas as Artes.

Que bom que eles tenham Borges, Cortázar, Arlt, etc. Que bom que temos Machado, Guimarães Rosa, Drummond, João Cabral, etc. Que bom que eles tenham um balé extraordinário. Que bom que temos um balé extraordinário. Que maravilhoso é o tango. Que maravilhoso é o samba. Quem sabe um dia desfilaremos juntos na Calle Florida, ao som dos pandeiros e tamborins ou no sambódromo ao som do bandoneon? Maradona se vestirá de camisa listrada e Pelé de bombachas, botas e espora, se darão as mãos e abraçados cantarão o samba de Assis Valente:
                             “Brasil, esquentai vossos pandeiros
                              Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
                              Há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente
                              Num batuque de matar...”

Talvez neste dia compreenderemos que todos fazemos parte do mesmo continente e, ao invés de disputas picuinhas, temos mais é que nos unir, nos reconstruir, sair do 3º mundo. Talvez neste dia todo o planeta nos olhe e, abrindo alas, nos tire o chapéu. Como no Programa do Raul Gil.

 

(09 de setembro/2006)
CooJornal no 493


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com