19/08/2006
Ano 10 - Número 490


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



CRENÇAS E CRENDICES

 

No dia 28 de setembro de 1917, na edição vespertina de O ESTADO DE SÃO PAULO, chamada O ESTADINHO, Monteiro Lobato lançou um artigo convidando os leitores a colaborarem para o esclarecimento (ou histórias) da lenda do SACI.  O resultado surpreendeu o escritor que recebeu uma chuva de cartas de todos os estados, principalmente de São Paulo e, em 1998 a FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL e a ODEBRECHT lançaram o livro O SACY PERÊRÊ – Resultado de um inquérito.

Mas por que o interesse por esse querido ou temido personagem popular? Resposta: pelo mistério, pelo que há de sobrenatural que sempre encanta o ser humano – haja visto o sucesso do ET de Varginha e, em outro campo, do bruxinho Harry Potter.

Mas não é só o Saci, a Mãe D’Água, o Lobisomem e a mula-sem-cabeça que despertam o interesse de todos nós. As crendices, ou religiosidades, são numerosas e, dia a dia, as encontramos em ditos populares, causos, contos, poesias, etc. e, atualmente, até pela Internet, como é o caso das chamadas “CORRENTES”, que pedem para você tirar 13 cópias de determinada carta e enviá-las a pessoas diferentes para alcançar uma graça ou, se não o fizer, uma desgraça. Claro que não acredito nesta bobagem mas, por via das dúvidas, mando xerocar e a envio a outros infelizes.

Quem nunca acreditou nos maus agouros, como passar diante de um gato preto, quebrar espelho, fazer negócios na sexta-feira 13, comer carne na sexta-feira da paixão, etc.? Quem não acredita nas superstições como ler a sorte num copo d’água, rezar para São Longuinho ou amarrar o rabo do Saci para achar um objeto perdido, ainda que o Saci não tenha rabo?

E como incomodamos os santos ou as entidades, com nossos peditórios. Antigamente, como o casamento era a realização máxima das mulheres, Santo Antonio era o mais procurado mas, atualmente, como a situação está mais pra lá do que pra cá, o casamento em baixa e o consumismo em alta, com o comércio vendendo em 36 prestações que começamos a pagar depois de 90 dias, quando muitos já perdemos o emprego, ele está um pouco desprestigiado e deu lugar a Santa Edwiges, a protetora dos endividados e Santo Expedido, o padroeiro das causas perdidas.

Os brasileiros, somos na maioria católicos mas fazemos uma fezinha no candomblé, na macumba, no espiritismo e em muitas outras religiões. Ter fé nunca fez mal a ninguém. O que faz mal é o fanatismo e a comercialização dos cultos - e como existe comercialização! -, ainda que alguns mantenham tradições, têm histórias, músicas, danças e rituais belíssimos, como a Procissão dos Navegantes ou a lavagem da Igreja do Bonfim, por exemplo. E vejam que beleza estes versinhos da crendice popular: “Caindo a colher/É visita de mulher”. Bonitos mas não muito verdadeiros pois tenho deixado cair muitas colheres ultimamente e o máximo que consigo é um “Bom dia, vovô!”

Como somos ecléticos, muitas vezes nossos cultos se misturam ou se unificam na devoção, como a São Jorge e São Benedito. Este último meu santo protetor, já que meus pais tinham o hábito de entregar cada filho, assim que nascia, à guarda de um santo. Não sei por que o meu foi São Benedito, já que meu nome é Braz e não nasci em seu dia, mas me sinto muito honrado, pois é um santo popular e pelo visto um tremendo boa praça pois, salvo alguns amores desastrados,  sempre fui muito bem protegido.  Ah, sim o responsável pelos amores é Santo Antonio e, para me vingar dele lembro a meus 3 ou 4 leitores que suas imagens são, geralmente, pequeninas:

“Não quero Santo Antônio grande
Dentro dos meus oratórios,
Eu quero é um pequenino
Que ouve meus peditórios.”

Mas comecei falando do Saci e ia terminar falando mal de Santo Antonio. É que, com a idade, começamos a misturar as coisas. Mas para que os devotos não me censurem termino com uma oração, aliás propícia para o momento, já que estou solteiro:

Meu Santo Antonio querido,
Eu vos peço, por quem sois,
Dai-me  a primeira mulher
Que as outras eu arranjo depois...”


 

(19 de agosto/2006)
CooJornal no 490


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com