05/08/2006
Ano 10 -
Número 488
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
O TEMPO PASSA |
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Antigamente havia no Rio de Janeiro uma empresa de mudanças chamada A
Lusitana cuja propaganda era O MUNDO GIRA E A LUSITANA RODA, uma frase tão
fácil e perfeita que a gente notava, ainda que sutilmente, a passagem do
tempo através das mudanças. E como se mudava no Rio daquela época!
Copacabana era moda, Ipanema e Leblon começavam a nascer e os moradores do
subúrbio mig ravam em massa para a zona sul. A Lusitana rodava muito, o
tempo passava devagar, como no poema de Drummond e, ainda criança, comecei
a perceber que também para nós.
Claro, não eram apenas as mudanças físicas que nos davam esta sensação,
mas também as mudanças de hábito. Naquela época romântica, era comum o
homem acender um cigarro sem filtro, encher o peito de fumaça e soltar uma
grande baforada como se fora um Humphrey Bogart nas telas de cinema. Ah,
como as mulheres suspiravam, as meninas olhavam com olhares lânguidos...
Como nos tornávamos másculos imitando o grande astro. O cigarro trazia em
si muitos mistérios. Até os psicanalistas arriscaram palpites a seu
respeito: ligavam o simples abrir de um maço, o tirar daquela fitinha, com
o desvirginamento. Certo ou não, era um grande prazer abrir o maço
lentamente, levar o primeiro cigarro à boca e acendê-lo ouvindo o
estalinho do isqueiro zippo. E como era sensual quando alguma garota,
especialmente a amada, o tirava do bolso de nossa camisa, acendia ela
mesma, dava uma tragada e levava a nossos lábios o cigarro aceso, como se
quisesse acender “o nosso” fogo. E acendia. Quantos beijos enfumaçados
trocamos pelas madrugadas de nossas ruas, ouvindo a voz de Elizete Cardoso
afirmando que “magnífico é o primeiro cigarro depois do café...” Mas o
tempo passou, hoje... “É PROIBIDO FUMAR”, como dizem as placas e a música
de Roberto Carlos.
Outra coisa que mostra a passagem do tempo são as fotografias. Quando
pegamos uma coleção de revistas antigas, principalmente de Moda, levamos
um choque. Era outro mundo. Às vezes um corte de cabelo, um vestido,
voltam, mas a expressão, a pose, a luz, o ângulo da máquina não são os
mesmos. As fotos envelheceram junto com seus personagens? Ou foi nosso
olhar que envelheceu?
Com o ritmo de vida e da música também notamos a mudança. A vida está mais
corrida (rima horrível). Na música, da valsa ao bolero, quando se dançava
de rosto colado, aos ritmos modernos, onde é cada um para si, passamos
pelo 78 RPM e os Vinis e estamos passando pelos CDs, girando,
girando... como o mundo gira, a Lusitana roda...
Para mim, um marcador de tempo são as pessoas que amamos. Dia desses
encontrei com uma mulher pela qual fui apaixonado quando tínhamos 16, 17
anos. Pele, lábios, porte, voz, gestos... tudo nela era lindo e agora...
bem, agora, The End. Claro, ela deve ter sentido o mesmo em relação a mim,
pois nosso cumprimento foi rápido, desajeitado, sem graça, como se
constatássemos que não servimos mais nem como passa tempo... Nosso amor,
como era gíria na época “ficou na saudade”.
Outro marcador são os meios de comunicação. Ataulfo Alves tinha saudades
da professorinha que lhe ensinou o be-a-bá. Será que hoje ele sentiria
esta saudade? Ou ligaria o computador e conversaria com a Mariazinha e
receberia, via e-mail uma foto dela, toda enrugadinha, e perceberia que o
tempo havia passado também em sua pequena Mirai? Não sei. Através da
Internet podemos voltar no tempo histórico, às vezes à nossa própria
história, como se percorrêssemos um ciclo. Será a maldição ou a benção do
Eclesiastes?: “E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde
nasceu”. Sim, tudo vai e volta, como a dança de salão, o veraneio (há
quanto tempo eu não ouvia a palavra “veranista”), e, ainda que através do
computador, o Correio Sentimental. E nesta ciranda podemos encarar o tempo
como devastador ou renovador. Podemos ouvir uma valsa triste ou o samba de
Paulinho Soledade “Vê, estão voltando as flores. Vê, nesta manhã tão
linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança ainda. Vê, as nuvens vão
passando, vê, um novo céu se abrindo. Vê, o sol iluminando por onde nós
vamos indo...” Indo, indo, indo, indo, ind, in, i, .........
(05 de agosto/2006)
CooJornal
no 488
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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