22/07/2006
Ano 9 - Número 486


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



A CAMISA

 

Saía de casa quando uma senhora, dessas bem velhinhas, em frente ao portão me perguntou à queima roupa:
- Aposentou-se, doutor?

- A senhora está falando comigo?, perguntei e, vendo que só tínhamos nós dois na rua, percebi que a pergunta era idiota. Ela sorriu e, não notando meu embaraço, continuou:
- O senhor andava sempre de branco, é médico?, perguntou enquanto se afastava.

Imediatamente compreendi, e explico: é que, há muitos anos, desde que me mudei para Três Corações, ando numa pindaíba tão grande que só me visto com roupas presenteadas por minha irmã Zélia, que tem uma estranha mania: só dá roupas brancas, que diz combinar com todas as cores e assim evita reclamações.

Este ano, aproveitando que a camisa presenteada estava apertada, pedi que a trocasse:
- Pode ser de qualquer cor. Não precisa ser bran...

Ela cortou-me a frase:
- Olha, Braz, estou indo passar uns dias com aí... Vou dar essa pro nosso irmão e compro outra pra você aí mesmo, em Três Corações!

Fiquei paralisado. Eu que não gosto de comprar roupas, que fico suando frio diante das vendedoras, comecei a me imaginar encolhendo a barriga, ajeitando colarinhos, escutando a tradicional frase “Esta ficou ótima”, e - martírios dos martírios – “o senhor não quer levar uma calça que combine?”

Comecei a tremer, o telefone caiu-me da mão. Ouvi minha irmã, do outro lado, gritando: Alô! Alô! e desliguei depressa. Corri à cozinha, tomei um calmante, voltei ao quarto, apaguei as luzes e me tranquei tendo alucinações onde uma vendedora, com sorriso de bruxa, ia me tirando as roupas e dizendo: - experimenta esta, e mais esta, e esta outra... me vi de botinas e cuecas, com as pernas finas, cabeludas, experimentando calças naquelas cabininhas onde você puxa a cortina de um lado e ela se abre do outro, com o terrível espelho me refletindo...

Comecei a perder o ar até que o telefone tocou e gritei: Aaaaahhhhhhhhh!!!!!

Era minha irmã:
- Escuta, Braz. Última forma. Não posso ir aí. O Adilson (meu cunhado) tá muito ocupado e não pode viajar. Manda a camisa que eu troco.

O alívio foi imediato. Agradeci a São Expedito a graça recebida e já ia dizendo que Não precisa ser bran... quando uma força maior me interrompeu. Era melhor ficar quieto, senão ela poderia mudar outra vez de idéia e vir só pra me comprar a camisa.

Disse obrigado, não precisa o incômodo, e saí correndo para o correio, com uma inveja danada do Xitãozinho e Xororó que têm tantas camisas quadriculadas...

Uma semana depois recebi uma caixa e o bilhete: “Braz: na loja em que comprei a primeira, do seu tamanho só tinha camisas coloridas. Como da última vez que fui à sua casa notei que você só gosta de roupa branca, andei Juiz de Fora inteira procurando e não consegui. Você precisa deixar dessas manias, meu irmão. Isso é coisa de velho. O mundo é colorido, põe isso na sua cabeça, todas as cores são belas. Comprei esta, se não gostar, azar”.

Abri a caixa, apressado. Ali estava, em minha frente, uma camisa amarela. Vesti-a rapidamente e saí. Tive vontade de abraçar a velhinha, que encontrara em frente ao portão e que já havia sumido na esquina. Como num milagre, vi que nosso rio estava verde, que numa árvore florida, um canarinho cantava, que na avenida, as crianças corriam alegres. Estava tão feliz que tive a impressão que uma jovem me sorriu um sorriso sensual e luminoso. Luminoso como o sorriso das mulheres que amam, luminoso como o sol, luminoso como a camisa amarela que exalava o cheiro bom de tecido novo. De vida nova.



(22 de julho/2006)
CooJornal no 486


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com