15/07/2006
Ano 9 - Número 485


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



A INJEÇÃO, A MULHER E A CARQUEJA

 

O brasileiro é, antes de tudo, um forte, como dizia Euclides da Cunha. Mas, às vezes... tem medo de cruz na beira do caminho, do diabo, do lobisomem, do saci, da mãe d’água, da mula-sem-cabeça, etc., etc., entidades que, jura de pés juntos, um vizinho, um compadre ou um amigo já viu. Isto quando é modesto pois, no mais das vezes, ele mesmo - o que está contando a história - já topou com o “trem” numa encruzilhada no meio da noite, quando caçava tatu ou voltava de alguma festa em qualquer fazenda vizinha.

Outro medo, pânico, do nosso “caipira” é de injeção. Basta você mostrar uma agulha para ele ficar aperreado e ir se afastando de mansinho com alguma desculpa:
- Nossa Senhora, tenho que ir, esqueci de apartar as vacas!

O medo de injeção é tanto e tão comum que deu origem a inúmeros causos, alguns dos quais já incorporados definitivamente em nosso folclore como este que está no livro VIOLEIROS DO NORTE, de Leonardo Motta (Editora Monteiro Lobato, 1925) e que transcrevemos como está no original:
“Certo médico teve de aplicar num velho sertanejo uma série de injeções de mercúrio. Dolorosas que são tais injeções, à terceira ou quarta das mesmas, quando o clínico procurava lancetar a nádega do cliente matuto, notou que este encolhia as traseiras, num irreprimível nervosismo. Observando isso, perguntou-lhe:
- Que história é esta? Você está com medo?
- É medo não seu Dotô... é o diabo da bunda que tá ficando veáca...”

. . .

Agora, escrevendo esta crônica, a história acima me fez recordar de um camarada que trabalhou em meu sítio e que, quando estava escuro, não abria a porta de sua casa de jeito nenhum enquanto sua mulher, uma morena fogosa, não voltasse das visitas que fazia à casa de alguém, para buscar umas folhinhas de carqueja ou outro chazinho qualquer, em companhia de um “cumpadre” que era um excelente conversador e tocador de viola, este instrumento do coisa-ruim que tem o poder de enfeitiçar mulher alheia.

Uma noite esta mulher, depois de beber umas cachaças e de dar umas “vórta” com o tal “cumpadre” pra procurar carqueja no mato, anunciou que ia dormir na casa de uma comadre. O marido correu para minha casa e pediu para dormir num depósito de ração, onde estava um tratorista que trabalhava por dia, dizendo:
- Seu Braz, é só hoje. Deus que me perdoe, mas tem arguma arma penada lá em casa. Até os cachorro tão com os rabo no meio das pernas, tremendo sem latir...

Eu, que na época era jovem e não compreendia o espírito de nossa gente rural, fiquei brabo e perguntei-lhe como é que, um homem daquele tamanho, podia acreditar em assombrações. Ele me olhou, coçou a cabeça, olhou o tratorista e respondeu meio encabulado:
- Olha aqui, seu Braz, acreditá eu num acredito. Mas tamém num facilito!

E deu por encerrada a conversa.

Para não deixar curiosos meus três ou quatro leitores, informo que este camarada trabalhou comigo muito tempo, vive bem, obrigado, tem diversos filhos que, apesar de serem diferentes um do outro, a patroa diz que são “a cara do pai”, o que o deixa todo orgulhoso. Ele, já velho, ainda tem medo de assombrações mas tem os netos para fazer-lhe companhia quando a mulher, que continua generosa e procurando sua carqueja milagrosa pelas grotas, ou atrás das moitas de bambus, desaparece, agora em companhia do um novo “cumpadre” já que a viola do antigo desafinou e as cordas não esticam mais. Um novo “cumpadre”, eu dizia, que também compreende a mania da santa senhora de tomar o chazinho sempre que escurece e que, pelo visto, também é chegado numa viola e numa carqueja.



(15 de julho/2006)
CooJornal no 485


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com