Braz Chediak
A INJEÇÃO, A MULHER E A CARQUEJA |
|
O brasileiro é, antes de
tudo, um forte, como dizia Euclides da Cunha. Mas, às vezes... tem medo
de cruz na beira do caminho, do diabo, do lobisomem, do saci, da mãe d’água,
da mula-sem-cabeça, etc., etc., entidades que, jura de pés juntos, um
vizinho, um compadre ou um amigo já viu. Isto quando é modesto pois, no
mais das vezes, ele mesmo - o que está contando a história - já topou
com o “trem” numa encruzilhada no meio da noite, quando caçava tatu ou
voltava de alguma festa em qualquer fazenda vizinha.
Outro medo, pânico, do nosso “caipira” é de injeção. Basta você mostrar
uma agulha para ele ficar aperreado e ir se afastando de mansinho com
alguma desculpa:
- Nossa Senhora, tenho que ir, esqueci de apartar as vacas!
O medo de injeção é tanto e tão comum que deu origem a inúmeros causos,
alguns dos quais já incorporados definitivamente em nosso folclore como
este que está no livro VIOLEIROS DO NORTE, de Leonardo Motta (Editora
Monteiro Lobato, 1925) e que transcrevemos como está no original:
“Certo médico teve de aplicar num velho sertanejo uma série de injeções
de mercúrio. Dolorosas que são tais injeções, à terceira ou quarta das
mesmas, quando o clínico procurava lancetar a nádega do cliente matuto,
notou que este encolhia as traseiras, num irreprimível nervosismo.
Observando isso, perguntou-lhe:
- Que história é esta? Você está com medo?
- É medo não seu Dotô... é o diabo da bunda que tá ficando veáca...”
. . .
Agora, escrevendo esta
crônica, a história acima me fez recordar de um camarada que trabalhou
em meu sítio e que, quando estava escuro, não abria a porta de sua casa
de jeito nenhum enquanto sua mulher, uma morena fogosa, não voltasse das
visitas que fazia à casa de alguém, para buscar umas folhinhas de
carqueja ou outro chazinho qualquer, em companhia de um “cumpadre” que
era um excelente conversador e tocador de viola, este instrumento do
coisa-ruim que tem o poder de enfeitiçar mulher alheia.
Uma noite esta mulher, depois de beber umas cachaças e de dar umas
“vórta” com o tal “cumpadre” pra procurar carqueja no mato, anunciou que
ia dormir na casa de uma comadre. O marido correu para minha casa e
pediu para dormir num depósito de ração, onde estava um tratorista que
trabalhava por dia, dizendo:
- Seu Braz, é só hoje. Deus que me perdoe, mas tem arguma arma penada lá
em casa. Até os cachorro tão com os rabo no meio das pernas, tremendo
sem latir...
Eu, que na época era jovem e não compreendia o espírito de nossa gente
rural, fiquei brabo e perguntei-lhe como é que, um homem daquele
tamanho, podia acreditar em assombrações. Ele me olhou, coçou a cabeça,
olhou o tratorista e respondeu meio encabulado:
- Olha aqui, seu Braz, acreditá eu num acredito. Mas tamém num facilito!
E deu por encerrada a conversa.
Para não deixar curiosos meus três ou quatro leitores, informo que este
camarada trabalhou comigo muito tempo, vive bem, obrigado, tem diversos
filhos que, apesar de serem diferentes um do outro, a patroa diz que são
“a cara do pai”, o que o deixa todo orgulhoso. Ele, já velho, ainda tem
medo de assombrações mas tem os netos para fazer-lhe companhia quando a
mulher, que continua generosa e procurando sua carqueja milagrosa pelas
grotas, ou atrás das moitas de bambus, desaparece, agora em companhia do
um novo “cumpadre” já que a viola do antigo desafinou e as cordas não
esticam mais. Um novo “cumpadre”, eu dizia, que também compreende a
mania da santa senhora de tomar o chazinho sempre que escurece e que,
pelo visto, também é chegado numa viola e numa carqueja.
(15 de julho/2006)
CooJornal
no 485