20/05/2006
Ano 9 - Número 477


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



Cavalo de batalha

 

O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse que seu país trocou, com o Brasil, o Acre por um cavalo.  Claro, isto é um efeito de retórica e, mesmo que não conheça Shakespeare, Morales estava citando a famosa frase de RICARDO III: “Um cavalo! Meu reino por um cavalo”.  Ato falho?  Óbvio. Morales se julga rei.  Daí o pedaço do “MEU REINO” trocado com o Brasil. Freud explica.

Cômico e trágico, já que são dois países do mesmo continente - um circo de meia-lona -, que deveriam se unir para encher de graça e alegria seu povo tão sofrido e não  para disputar a boca de cena e mostrar quem é o ator  principal.

Mas, o que tem o cavalo a ver com as calças? Sabemos que não é raro o nobre animal ser usados por políticos alucinados. Calígula, cujo lema era “odeiem-me contanto que me temam!”, nomeou seu quadrúpede, Incitatus, senador e queria fazê-lo cônsul. Alexandre, O Grande, e sua cavalaria, chegou a conquistar ¾ da terra conhecida de então. De Átila, o Reio dos Hunos, também chamado O FLAGELO DE DEUS, “Costumava-se dizer que onde pisavam as patas do seu cavalo a erva não voltava a crescer” e foi por causa de um cavalo que Tróia perdeu a guerra contra os gregos. Daí a expressão: “presente de grego”.

É claro que um símbolo tão grande não poderia deixar de chamar a atenção da igreja e ela também tirou uma casquinha do valoroso animal montando São Jorge, um dos santos preferidos dos artistas e dos bicheiros, num magnífico corcel.

Também no folclore brasileiro o cavalo é invocado constantemente, quase sempre de maneira engraçada:

“Há quatro coisas no mundo
Que alegra um cabra macho
Dinheiro e moça bonita
Cavalo estradeiro embaixo...”

ou

 “Fui moço, hoje sou velho
Morro quando Deus quiser
Duas coisas aprecio
Cavalo bom e mulher”

São muitos, também, os provérbios populares que tem o cavalo como mote
“Cavalo, mulher e dinheiro, quem empresta nem pra si presta”
 “Mulher e cavalo bom, pra mim é o mesmo tom”
“Cavalo alazão, ou muito bom ou muito ladrão”, etc., etc.

Com sua frase bombástica o presidente boliviano conseguiu chamar a atenção dos holofotes, mas o que seria da Bolívia se não tivesse nos vendido o Acre? Glória Perez, a famosa novelista, diz que “não teria mantido sua soberania nem Morales seria presidente se, naqueles idos de 1900, o Bolivian Syndicate tivesse ocupado, inclusive militarmente, a região”.  Ancelmo Góis, o autor da notícia, nos explica que a Bolivian Syndicate “Era uma multinacional anglo-americana. Por isso, hoje quem poderia mandar no pedaço é o pessoal de Bush e Tony Blair.”

O Certo é que o Brasil pagou à Bolívia dois milhões de libras esterlinas pelo território, deu-lhe terras no Mato Grosso e construiu a estrada de ferro Madeira-Mamoré, permitindo-lhe o acesso ao Oceano Atlântico. Hoje, no local, existe uma rodovia em plena atividade servindo, principalmente, para escoar os produtos bolivianos.

Sabemos que esta briga é fogo de palha, jogo de retórica para encobrir um problema maior, que vem se arrastando por décadas: o gás. Mas, caso Evo Morales queira se redimir das acusações dando algum presente ao presidente Lula, é sempre bom lembrar o humorista (será Don José Cavacas?):

“Do cavalo dado
Após a briga
Não se olha os dentes
Olha-se a barriga”.



(20 de maio/2006)
CooJornal no 477


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com