01/04/2006
Ano 9 - Número 470


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



AQUARELAS DO BRASIL

 

Lembro-me que há muitos anos – quando morava na Rua Sá Ferreira – encontrei Flávio Moreira da Costa sentado nos degraus do Edifício Venâncio, ao lado das Casas da Banha, na Av. Copacabana, esperando Nelson Cavaquinho para, juntos, tomarem um chope no Dezon.

O tempo passou, a Galeria Dezon, ponto de artistas e intelectuais, deu lugar a um grande edifício. Nelson Cavaquinho, com sua voz rouca, foi fazer coro a Noel Rosa, Pixinguinha e São Gonçalo do Amarante, no céu. Flávio continuou sua carreira de contista/romancista/ensaísta e, fiel ao samba e à noite, escreveu o belíssimo livro  NELSON CAVAQUINHO, Enxugue os olhos e me dê um abraço, homenageando o amigo.  E aqui abro um parêntese para dizer que é um livro essencial para quem quiser conhecer o Rio de Janeiro, Nelson e muito da música de seu tempo.

Fecho o parêntese. Em pouco tempo Flávio se aprofundou em pesquisas e se tornou um dos maiores antologistas do país. Sua produção – intercalada com os próprios romances, livros de contos, etc. – se tornou constante e aclamada,  pela crítica e pelos estudiosos da literatura, como fundamental. OS CEM MELHORES CONTOS DE HUMOR DA LITERATURA UNIVERSAL, OS CEM MELHORES CONTOS DE CRIME & MISTÉRIO DA LITERATURA UNIVERSAL, CRIME FEITO EM CASA, etc., etc. são livros obrigatórios em qualquer biblioteca que se preze. Seus livros de contos NEM TODO CANÁRIO É BELGA e MALVADEZA DURÃO E OUTROS CONTOS e os romances O EQUILIBRISTA DO ARAME FARPADO e NO PAÍS DOS PONTEIROS DESENCONTRADOS, já são clássicos da moderna literatura brasileira. Vieram prêmios de todos os lados e nós leitores ficávamos esperando o próximo.

Foi uma boa espera: a obra que chegou é, também, uma homenagem. Uma grande homenagem a todos os que gostam de música e literatura: AQUARELAS DO BRASIL – contos da nossa música popular. O livro é melodia, os contos, cheio de ritmo e alma, são sutis aquarelas desse nosso povo feito de ginga.

Não vou fazer uma resenha, transcrevo apenas um trecho da “orelha” que, como diz Drummond, é “por onde o poeta escuta se dele falam mal ou se o amam.”: “A seleção remonta a “antes de o Brasil sambar, quando o fado, no período colonial, era coisa nossa, como constata em cenas do folhetim de Manuel Antonio de Almeida. E em outro andamento, a prosa refinada de Machado de Assis nos fala de polcas famosas na corte, dos clássicos e do machete, nome remoto do popular cavaquinho dos nossos dias. Em Lima Barreto, um tipo como Joaquim dos Anjos, carteiro e flautista, parece saltar das páginas de o choro, o livro-documentário com o qual Alexandre Gonçalves Pinto, anos depois, salvou do esquecimento algumas dezenas de chorões pioneiros.

“Em Aníbal Machado, a música entranha-se no enredo: Bidê, Marçal, expoentes entre os mestres que, no Estácio, na primeira metade do século passado, fixaram o samba na forma ainda vigente, ocupam, com “Agora é Cinza”, a alma do rapaz atormentado pela angustia amorosa. João do Rio, cada vez mais lido e relido, testemunha, no Carnaval, as ruas a “rebentar de luxúria e do barulho” dos cordões, blocos e ranchos, enquanto transcreve as letras de melodias carnavalescas não gravadas, infelizmente para sempre perdidas. A moda de viola, chorosa, “com sabor arrependido de banzo”, a subir pelo céu como balão, é introduzida por Bernardo Elis, ao passo que João Antonio faz o inventário da canção que virou cidade, conduzida pelas levas de retirantes das terras secas da Paraíba às terras roxas e férteis do Paraná. Sérgio Sant’Anna põe João Gilberto a cantar baixinho, sílabas muito bem pronunciadas em todas as notas, a “Aquarela do Brasil”.

Na orelha do livro faltou dizer que a cidade paranaense é Maringá, ela mesma, a da música de Joubert de Carvalho. E também que o próprio Flávio comparece com Sambista de botequim bebendo cerveja com choro.

Eduardo Campos, Inglês de Sousa, Arthur Azevedo, Alcântara Machado, Francisco Inácio Peixoto, Ribeiro Couto, Magalhães de Azeredo, Marques Rebelo, Carlos Jurandir e João Gilberto Noll são os outros membros desta orquestra afinadíssima que Flávio Moreira da Costa e a Agir Editora reuniram para este grande concerto para literatura e prazer.

 

(01 de abril/2006)
CooJornal no 470


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br