Lembro-me que há muitos anos – quando morava na Rua Sá Ferreira –
encontrei Flávio Moreira da Costa sentado nos degraus do Edifício
Venâncio, ao lado das Casas da Banha, na Av. Copacabana, esperando
Nelson Cavaquinho para, juntos, tomarem um chope no Dezon.
O tempo passou, a
Galeria Dezon, ponto de artistas e intelectuais, deu lugar a um grande
edifício. Nelson Cavaquinho, com sua voz rouca, foi fazer coro a Noel
Rosa, Pixinguinha e São Gonçalo do Amarante, no céu. Flávio continuou
sua carreira de contista/romancista/ensaísta e, fiel ao samba e à noite,
escreveu o belíssimo livro NELSON CAVAQUINHO, Enxugue os olhos e me
dê um abraço, homenageando o amigo. E aqui abro um parêntese para
dizer que é um livro essencial para quem quiser conhecer o Rio de
Janeiro, Nelson e muito da música de seu tempo.
Fecho o parêntese. Em
pouco tempo Flávio se aprofundou em pesquisas e se tornou um dos maiores
antologistas do país. Sua produção – intercalada com os próprios
romances, livros de contos, etc. – se tornou constante e aclamada, pela
crítica e pelos estudiosos da literatura, como fundamental. OS CEM
MELHORES CONTOS DE HUMOR DA LITERATURA UNIVERSAL, OS CEM MELHORES CONTOS
DE CRIME & MISTÉRIO DA LITERATURA UNIVERSAL, CRIME FEITO EM CASA,
etc., etc. são livros obrigatórios em qualquer biblioteca que se preze.
Seus livros de contos NEM TODO CANÁRIO É BELGA e MALVADEZA
DURÃO E OUTROS CONTOS e os romances O EQUILIBRISTA DO ARAME
FARPADO e NO PAÍS DOS PONTEIROS DESENCONTRADOS, já são
clássicos da moderna literatura brasileira. Vieram prêmios de todos os
lados e nós leitores ficávamos esperando o próximo.
Foi uma boa espera: a
obra que chegou é, também, uma homenagem. Uma grande homenagem a todos
os que gostam de música e literatura: AQUARELAS DO BRASIL – contos da
nossa música popular. O livro é melodia, os contos, cheio de ritmo e
alma, são sutis aquarelas desse nosso povo feito de ginga.
Não vou fazer uma
resenha, transcrevo apenas um trecho da “orelha” que, como diz Drummond,
é “por onde o poeta escuta se dele falam mal ou se o amam.”:
“A seleção remonta a “antes de o Brasil sambar, quando o fado, no
período colonial, era coisa nossa, como constata em cenas do folhetim de
Manuel Antonio de Almeida. E em outro andamento, a prosa refinada de
Machado de Assis nos fala de polcas famosas na corte, dos clássicos e do
machete, nome remoto do popular cavaquinho dos nossos dias. Em Lima
Barreto, um tipo como Joaquim dos Anjos, carteiro e flautista, parece
saltar das páginas de o choro, o livro-documentário com o qual
Alexandre Gonçalves Pinto, anos depois, salvou do esquecimento algumas
dezenas de chorões pioneiros.
“Em Aníbal Machado,
a música entranha-se no enredo: Bidê, Marçal, expoentes entre os mestres
que, no Estácio, na primeira metade do século passado, fixaram o samba
na forma ainda vigente, ocupam, com “Agora é Cinza”, a alma do rapaz
atormentado pela angustia amorosa. João do Rio, cada vez mais lido e
relido, testemunha, no Carnaval, as ruas a “rebentar de luxúria e do
barulho” dos cordões, blocos e ranchos, enquanto transcreve as letras de
melodias carnavalescas não gravadas, infelizmente para sempre perdidas.
A moda de viola, chorosa, “com sabor arrependido de banzo”, a
subir pelo céu como balão, é introduzida por Bernardo Elis, ao passo que
João Antonio faz o inventário da canção que virou cidade, conduzida
pelas levas de retirantes das terras secas da Paraíba às terras roxas e
férteis do Paraná. Sérgio Sant’Anna põe João Gilberto a cantar baixinho,
sílabas muito bem pronunciadas em todas as notas, a “Aquarela do
Brasil”.
Na orelha do livro
faltou dizer que a cidade paranaense é Maringá, ela mesma, a da
música de Joubert de Carvalho. E também que o próprio Flávio comparece
com Sambista de botequim bebendo cerveja com choro.
Eduardo Campos, Inglês
de Sousa, Arthur Azevedo, Alcântara Machado, Francisco Inácio Peixoto,
Ribeiro Couto, Magalhães de Azeredo, Marques Rebelo, Carlos Jurandir e
João Gilberto Noll são os outros membros desta orquestra afinadíssima
que Flávio Moreira da Costa e a Agir Editora reuniram para este grande
concerto para literatura e prazer.
(01 de abril/2006)
CooJornal
no 470