25/03/2006
Ano 9 - Número 469


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



Mulheres do Brasil

 

Na crônica JOGANDO PÔQUER COM BURROUGHS, publicada no livro TREM BALA, Martha Medeiros nos dá – a nós, pequenos cronistas, – um belo puxão de orelha.  Logo no primeiro parágrafo, mostra como é falsa nossa humildade, nosso querer ser reconhecido mas com um “ora, deixa disso” disfarçado, imodesto: “”Uma vez perguntaram a William Burroughs se ele não estaria usando sua reputação de escritor para promover uma exposição de quadros de sua autoria. Perguntinha maldosa, cuja resposta foi um direto no estômago: “Claro que estou. É preciso saber aproveitar todas as cartas que temos.””

Sábias palavras. Se temos cartas, por que esconder o jogo? Por que temos que nos ancorar em maledicências, em críticas àqueles que deram certo, seja na escrita, seja num show de circo, seja num programa de TV, etc., etc.? 

Lembro-me que, tempos atrás, era moda falar mal de mulheres bonitas que faziam sucesso. Tiazinha foi uma delas. Era chique esculhambá-la, como se isto engrandecesse as mulheres fisicamente menos privilegiadas. Todos falavam de seu visual sadomasoquista, de seu corpo e seu rosto – que eram belíssimos – como se fossem coisas isoladas.  Mas ninguém falava que ela, desde os oito anos de idade, era uma bailarina clássica, que ajudava o sustento da família e, como quase todas as mulheres brasileiras, trabalhava horas e horas, diariamente, gravando seu programa. Ninguém falava que, às vezes, tinha de mergulhar os pés, feridos pelos sapatos incômodos, em bacias com água gelada nos poucos minutos de intervalos entre um quadro e outro, que  se alimentava com um mero sanduíche, já que almoçar durante as gravações era impensável, e que não tinha tempo para o falso glamour que a imprensa lhe atribuía, etc., etc.

Tiazinha não parou. Um dia deu uma desaparecida, passou brilhantemente no vestibular para jornalismo, mergulhou nos estudos. Mas isto não dá IBOPE e ninguém se manifestou para elogiá-la por ser uma excelente estudante, por estar escrevendo bem, etc., etc. 

Depois foi a vez das Sheilas. Como foram criticadas! E por quê? Também por fazerem sucesso. O sucesso era o que incomodava. Não indagávamos se, depois de shows exaustivos, elas se recolhiam aos quartos de hotéis e choravam de solidão ou de cansaço. Não nos indagávamos de suas necessidades. Víamos o símbolo, não o ser humano.   

Talvez tenha sido esta constatação que me despertou para a crônica de Martha Medeiros e, principalmente, quando ela fala dos que criticam o sucesso de Luma de Oliveira, Angélica, Eliana, Xuxa, etc. “Criticar o sucesso dos outros é mania nacional, mas diga-se em sua defesa: ninguém fará nada por eles a não ser eles mesmos, e isto também serve para nós. Não há  nada de errado em querer abrir o leque de opões, jogar-se no desconhecido, experimentar. “Arrisque quando estiver vencendo, desista quando estiver perdendo”, lembrou Burroughs. Só não vale blefar.”

Estas mulheres não blefaram. E pensando nelas escrevo esta crônica, para me desculpar por não tê-lo feito dia oito quando comemoraram o seu dia.

Mas, a meu favor, justifico: se todos os dias são dias da vida, todos os dias são dias das mulheres. Dessas bravas mulheres brasileiras que estão construindo a nação com seu sangue, seu suor e, mais que tudo, com sua alegria. A imensa e contagiante alegria que espalham e dividem conosco, simples cronistas do cotidiano. CARPE DIEM.

 

(25 de março/2006)
CooJornal no 469


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br