Na crônica JOGANDO PÔQUER COM BURROUGHS, publicada no livro
TREM BALA, Martha Medeiros nos dá – a nós, pequenos cronistas, –
um belo puxão de orelha. Logo no primeiro parágrafo, mostra como é
falsa nossa humildade, nosso querer ser reconhecido mas com um “ora,
deixa disso” disfarçado, imodesto: “”Uma vez perguntaram a
William Burroughs se ele não estaria usando sua reputação de escritor
para promover uma exposição de quadros de sua autoria. Perguntinha
maldosa, cuja resposta foi um direto no estômago: “Claro que estou. É
preciso saber aproveitar todas as cartas que temos.””
Sábias palavras. Se temos cartas, por que esconder o jogo? Por que temos
que nos ancorar em maledicências, em críticas àqueles que deram certo,
seja na escrita, seja num show de circo, seja num programa de TV, etc.,
etc.?
Lembro-me que, tempos atrás, era moda falar mal de mulheres bonitas que
faziam sucesso. Tiazinha foi uma delas. Era chique esculhambá-la, como
se isto engrandecesse as mulheres fisicamente menos privilegiadas. Todos
falavam de seu visual sadomasoquista, de seu corpo e seu rosto – que
eram belíssimos – como se fossem coisas isoladas. Mas ninguém falava
que ela, desde os oito anos de idade, era uma bailarina clássica, que
ajudava o sustento da família e, como quase todas as mulheres
brasileiras, trabalhava horas e horas, diariamente, gravando seu
programa. Ninguém falava que, às vezes, tinha de mergulhar os pés,
feridos pelos sapatos incômodos, em bacias com água gelada nos poucos
minutos de intervalos entre um quadro e outro, que se alimentava com um
mero sanduíche, já que almoçar durante as gravações era impensável, e
que não tinha tempo para o falso glamour que a imprensa lhe atribuía,
etc., etc.
Tiazinha não parou. Um dia deu uma desaparecida, passou brilhantemente
no vestibular para jornalismo, mergulhou nos estudos. Mas isto não dá
IBOPE e ninguém se manifestou para elogiá-la por ser uma excelente
estudante, por estar escrevendo bem, etc., etc.
Depois foi a vez das Sheilas. Como foram criticadas! E por quê? Também
por fazerem sucesso. O sucesso era o que incomodava. Não indagávamos se,
depois de shows exaustivos, elas se recolhiam aos quartos de hotéis e
choravam de solidão ou de cansaço. Não nos indagávamos de suas
necessidades. Víamos o símbolo, não o ser humano.
Talvez tenha sido esta constatação que me despertou para a crônica de
Martha Medeiros e, principalmente, quando ela fala dos que criticam o
sucesso de Luma de Oliveira, Angélica, Eliana, Xuxa, etc. “Criticar o
sucesso dos outros é mania nacional, mas diga-se em sua defesa: ninguém
fará nada por eles a não ser eles mesmos, e isto também serve para nós.
Não há nada de errado em querer abrir o leque de opões, jogar-se no
desconhecido, experimentar. “Arrisque quando estiver vencendo, desista
quando estiver perdendo”, lembrou Burroughs. Só não vale blefar.”
Estas mulheres não blefaram. E pensando nelas escrevo esta crônica, para
me desculpar por não tê-lo feito dia oito quando comemoraram o seu dia.
Mas,
a meu favor, justifico: se todos os dias são dias da vida, todos os dias
são dias das mulheres. Dessas bravas mulheres brasileiras que estão
construindo a nação com seu sangue, seu suor e, mais que tudo, com sua
alegria. A imensa e contagiante alegria que espalham e dividem conosco,
simples cronistas do cotidiano. CARPE DIEM.
(25 de março/2006)
CooJornal
no 469