18/03/2006
Ano 9 - Número 468


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



REFLEXÕES SOBRE CARAVANAS

 

Relendo o GRANDE SERTÃO:VEREDAS, este monumento que Guimarães Rosa nos legou, lembrei-me de um conselho que não sei qual escritor dava aos iniciantes: “fuja da mediocridade como o diabo da cruz.” Por isto, em meus roteiros, crônicas, contos, etc. sempre evitei o lugar comum, a frase feita, e até mesmo os ditados populares. Mas tem alguns destes ditados que fazem parte de nosso cotidiano de tal maneira que é difícil não usá-los. Um exemplo? “Os cães ladram, as caravanas passam”.

E por quê me lembrei disto agora? Porque todos os grandes escritores, os grandes músicos, os grandes pintores foram, um dia, vítimas dos invejosos, dos  frustrados como homens e como artistas. E isto aconteceu também com o Guimarães Rosa. Seu livro foi criticado, sua linguagem chamada de confusa, etc., etc., mas ele passou serenamente pelo tempo e continua a encantar a todos aqueles que o lêem.

O mesmo aconteceu com Drummond, quando lançou seu poema NO MEIO DO CAMINHO. Nunca ninguém foi tão achincalhado, tão ridicularizado. “Medíocre” era a palavra preferida de seus detratores, que viam a poesia como estática, codificada, velha e não aceitavam qualquer renovação.

Outro que foi vítima é Nelson Rodrigues. Quantas vezes também foi chamado de medíocre, de vulgar, de mau gosto, etc., etc. E está aí, para sempre, revelando às novas gerações a universalidade de sua obra.

Reli recentemente suas peças e crônicas, para fazer um trabalho sobre A VIDA COMO ELA É. Que coisa fantástica, como tudo é humano, atual, eterno.  Ter convivido com este grande mestre foi, para mim, um motivo de honra e de orgulho. Ainda hoje me comovo quando recebo o carinho de sua família, como este e-mail que me foi enviado pelo Nelsinho, Nelson Rodrigues Filho, falando sobre o lançamento de minha biografia:  “...Comovente o carinho recíproco entre meu pai e você, até os últimos instantes de sua consciência, e a certeza dele de que poucos diretores o entenderam tão bem quanto você em Bonitinha Mas Ordinária, filme que registra magistralmente a cena mais erótica do cinema brasileiro, protagonizada pela Lucélia Santos. Aliás, ela, atriz mundialmente consagrada, reconhece que sua carreira deu um salto positivo a partir do filme.

Também é fundamental relembrar o superpremiado “Navalha Na Carne” de Plínio Marcos e os igualmente excelentes “Dois Perdidos Numa Noite Suja” e “Perdoa-me Por Me Traíres”.

Ou seja, em qualquer abordagem que se faça de sua obra como diretor, esses filmes não podem, jamais, ser suprimidos e esquecidos, e o livro chegou em boa hora, num reconhecimento mais que merecido de seu talento. Até porque durante a vida aprendemos que, não poucas vezes, as “meias verdades” são mais falsas do que a mais deslavada e mal intencionada das mentiras, em particular quando apontadas contra uma pessoa como você que sempre esteve, está neste momento e sempre estará, com inequívoca competência, caminhando lado a lado com a Cultura, ainda que por isso já tenha sido várias vezes censurado.”

Nelsinho sabe que fui combatido duramente. Ele sabe, e seu pai também sabia, que nada pior para o pseudo-artista que o sucesso alheio.  Ainda me lembro – e conto esta passagem no livro – de um uma tarde quando Nelson, ao ver um “escritor” me olhar com ódio, disparou à queima-roupa: “Chediak, cuidado. Todo fracassado é perigoso!”

Ele sabia que o tal sujeito não conseguiria, nunca, ser um Artista – assim mesmo, com letras maiúsculas –, que sua coluna num dos jornais da época nada mais era que uma desagradável e enfadonha demonstração de erudição.  Nelson sabia que aquele homenzinho nunca seria nada e por isto despejava seu ódio nos que realizavam.

Guimarães Rosa, Drummond e Nelson se foram. Suas obras continuam vivas. O Brasil passou por crises econômicas, culturais e de burrice, mas também seguiu seu caminho.  A nova geração de Artistas, de Críticos e de Jornalistas está mais aberta e antenada com seu tempo. Nunca se leu tanto, nunca se publicou tantos livros. 

Enquanto houver estradas as caravanas continuarão passando. E quando não as tiver, cabe aos Artistas abri-las, mesmo quando são chamados de medíocres. 
 

(18 de março/2006)
CooJornal no 468


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br