Relendo o GRANDE SERTÃO:VEREDAS, este
monumento que Guimarães Rosa nos legou, lembrei-me de um conselho que
não sei qual escritor dava aos iniciantes: “fuja da mediocridade como o
diabo da cruz.” Por isto, em meus roteiros, crônicas, contos, etc.
sempre evitei o lugar comum, a frase feita, e até mesmo os ditados
populares. Mas tem alguns destes ditados que fazem parte de nosso
cotidiano de tal maneira que é difícil não usá-los. Um exemplo? “Os cães
ladram, as caravanas passam”.
E por quê me lembrei disto agora? Porque todos os
grandes escritores, os grandes músicos, os grandes pintores foram, um
dia, vítimas dos invejosos, dos frustrados como homens e como artistas.
E isto aconteceu também com o Guimarães Rosa. Seu livro foi criticado,
sua linguagem chamada de confusa, etc., etc., mas ele passou serenamente
pelo tempo e continua a encantar a todos aqueles que o lêem.
O mesmo aconteceu com Drummond, quando lançou seu
poema NO MEIO DO CAMINHO. Nunca ninguém foi tão
achincalhado, tão ridicularizado. “Medíocre” era a palavra preferida de
seus detratores, que viam a poesia como estática, codificada, velha e
não aceitavam qualquer renovação.
Outro que foi vítima é Nelson Rodrigues. Quantas
vezes também foi chamado de medíocre, de vulgar, de mau gosto, etc.,
etc. E está aí, para sempre, revelando às novas gerações a
universalidade de sua obra.
Reli recentemente suas peças e crônicas, para fazer
um trabalho sobre A VIDA COMO ELA É. Que coisa
fantástica, como tudo é humano, atual, eterno. Ter convivido com este
grande mestre foi, para mim, um motivo de honra e de orgulho. Ainda hoje
me comovo quando recebo o carinho de sua família, como este e-mail que
me foi enviado pelo Nelsinho, Nelson Rodrigues Filho, falando sobre o
lançamento de minha biografia: “...Comovente
o carinho recíproco entre meu pai e você, até os últimos instantes de
sua consciência, e a certeza dele de que poucos diretores o entenderam
tão bem quanto você em Bonitinha Mas Ordinária, filme que registra
magistralmente a cena mais erótica do cinema brasileiro, protagonizada
pela Lucélia Santos. Aliás, ela, atriz mundialmente consagrada,
reconhece que sua carreira deu um salto positivo a partir do filme.
Também é fundamental relembrar o superpremiado
“Navalha Na Carne” de Plínio Marcos e os igualmente excelentes “Dois
Perdidos Numa Noite Suja” e “Perdoa-me Por Me Traíres”.
Ou seja, em qualquer abordagem que se faça de sua
obra como diretor, esses filmes não podem, jamais, ser suprimidos e
esquecidos, e o livro chegou em boa hora, num reconhecimento mais que
merecido de seu talento. Até porque durante a vida aprendemos que, não
poucas vezes, as “meias verdades” são mais falsas do que a mais
deslavada e mal intencionada das mentiras, em particular quando
apontadas contra uma pessoa como você que sempre esteve, está neste
momento e sempre estará, com inequívoca competência, caminhando lado a
lado com a Cultura, ainda que por isso já tenha sido várias vezes
censurado.”
Nelsinho sabe que fui combatido duramente. Ele
sabe, e seu pai também sabia, que nada pior para o pseudo-artista que o
sucesso alheio. Ainda me lembro – e conto esta passagem no livro – de
um uma tarde quando Nelson, ao ver um “escritor” me olhar com ódio,
disparou à queima-roupa: “Chediak, cuidado. Todo fracassado é perigoso!”
Ele sabia que o tal sujeito não conseguiria, nunca,
ser um Artista – assim mesmo, com letras maiúsculas –, que sua coluna
num dos jornais da época nada mais era que uma desagradável e enfadonha
demonstração de erudição. Nelson sabia que aquele homenzinho nunca
seria nada e por isto despejava seu ódio nos que realizavam.
Guimarães Rosa, Drummond e Nelson se foram. Suas
obras continuam vivas. O Brasil passou por crises econômicas, culturais
e de burrice, mas também seguiu seu caminho. A nova geração de
Artistas, de Críticos e de Jornalistas está mais aberta e antenada com
seu tempo. Nunca se leu tanto, nunca se publicou tantos livros.
Enquanto houver estradas as caravanas continuarão
passando. E quando não as tiver, cabe aos Artistas abri-las, mesmo
quando são chamados de medíocres.
(18 de março/2006)
CooJornal
no 468