Depois da gigantesca crise que fez o país ficar vermelho de vergonha, é
difícil para nós, simples mortais, assistirmos à propaganda política que
entra na telinha e invade nossas casas sem ficarmos amarelos de
indignação.
Os
candidatos, em sua maioria, parecem mentirosos de operetas tentando nos
fazer acreditar em coisas que nem eles mesmos acreditam. E aqui abro um
parágrafo para dizer que existem, também, candidatos honestos, em todos
os partidos, que ainda honram esse nosso país tão desgastado. Fecho o
parêntese e volto ao assunto: nunca as palavras “corrupção”,
“honestidade”, “esconder”, “investigar”, etc., etc., foram tão usadas e
de maneira tão truncadas. Nunca a imprensa gastou tantas palavras para
tratar um único e mesmo assunto. E qual o valor, ou valores, destas
palavras?
Há
alguns anos, Mario Vargas Llosa, o escritor peruano autor de A GUERRA
DO FIM DO MUNDO, entre outros grandes livros da literatura latino
americana e universal, que disputou com Fujimori a presidência do Peru,
disse ao jornalista argentino Jorge Halperín, que “para um escritor, a
linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação que envolve enorme
cuidado, respeito, quase uma reverência religiosa. Ela é trabalhada de
maneira muito pessoal porque é através dela que criamos nossa identidade
como escritor. Já como político, a linguagem é apenas um instrumento.
Como ele quer chegar ao maior número de pessoas, ele a simplifica e a
repete. Por isso, em política, é irresistível o uso de estereótipos,
clichês, estribilhos, tudo o que em literatura significa palavra morta”.
Vargas Llosa perdeu as eleições, felizmente para a literatura e
infelizmente para aquele país irmão em esperanças, decepções e misérias.
O escritor prejudicou o político, as palavras brotadas da alma e do
coração de um homem genial perderam para as palavras artificiais de um
demagogo.
Somos chamados de “homo sapiens”, mas nossa sabedoria ainda não nos
ensinou a filtrar as palavras para que elas saiam de nós puras como as
águas saem das minas nas montanhas. Às vezes é preciso que um poeta nos
dê a receita para que possamos limpá-las, como, por exemplo, Viviane
Mosé:
“...Muito importante na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias,
deixe que se misture em seus gestos, que passeie
pela expressão de seus sentidos.
À noite, permita que se deite,
não a seu lado mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
Mas,
voltando à propaganda política. O povo está perplexo: o que será que os
políticos, todos eles, pensam de suas próprias palavras? Não sei.
Apenas sei que sinto uma grande tristeza quando me recordo de nossos
irmãos que passam fome em pleno campo, de crianças pedindo esmolas nas
esquinas das grandes cidades, dos velhos que morrem em albergues
miseráveis, etc., etc. Mas, observador do ser humano, não me desanimo.
Se “para um escritor, a linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação
que envolve enorme cuidado, respeito, quase uma reverência
religiosa...”, como disse Vargas Llosa no parágrafo lá de cima, e se
“uma palavra limpa é uma palavra possível.”, como disse Viviane Mosé,
ainda resta a esperança de que um dia todos nós descubramos que
“solidariedade”, “amor”, “amizade”e sobretudo “verdade” são palavras que
ainda estão vivas, bem vivas. E neste dia nenhum cronista precisará
escrever a este respeito.
(28 de janeiro/2006)
CooJornal
no 461