28/01/2006
Número - 461


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



O VALOR DAS PALAVRAS

Depois da gigantesca crise que fez o país ficar vermelho de vergonha, é difícil para nós, simples mortais, assistirmos à propaganda política que entra na telinha e invade nossas casas sem ficarmos amarelos de indignação.

Os candidatos, em sua maioria, parecem mentirosos de operetas tentando nos fazer acreditar em coisas que nem eles mesmos acreditam. E aqui abro um parágrafo para dizer que existem, também, candidatos honestos, em todos os partidos, que ainda honram esse nosso país tão desgastado. Fecho o parêntese e volto ao assunto: nunca as palavras “corrupção”, “honestidade”, “esconder”, “investigar”, etc., etc., foram tão usadas e de maneira tão truncadas. Nunca a imprensa gastou tantas palavras para tratar um único e mesmo assunto.  E qual o valor, ou valores, destas palavras?

Há alguns anos, Mario Vargas Llosa, o escritor peruano autor de A GUERRA DO FIM DO MUNDO, entre outros grandes livros da literatura latino americana e universal, que disputou com Fujimori a presidência do Peru, disse ao jornalista argentino Jorge Halperín, que “para um escritor, a linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação que envolve enorme cuidado, respeito, quase uma reverência religiosa. Ela é trabalhada de maneira muito pessoal porque é através dela que criamos nossa identidade como escritor. Já como político, a linguagem é apenas um instrumento. Como ele quer chegar ao maior número de pessoas, ele a simplifica e a repete. Por isso, em política, é irresistível o uso de estereótipos, clichês, estribilhos, tudo o que em literatura significa palavra morta”.

Vargas Llosa perdeu as eleições, felizmente para a literatura e infelizmente para aquele país irmão em esperanças, decepções e misérias. O escritor prejudicou o político, as palavras brotadas da alma e do coração de um homem genial perderam para as palavras artificiais de um demagogo.

Somos chamados de “homo sapiens”, mas nossa sabedoria ainda não nos ensinou a filtrar as palavras para que elas saiam de nós puras como as águas saem das minas nas montanhas. Às vezes é preciso que um poeta nos dê a receita para que possamos limpá-las, como, por exemplo, Viviane Mosé:

“...Muito importante na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias,
deixe que se misture em seus gestos, que passeie
pela expressão de seus sentidos.
À noite, permita que se deite,
não a seu lado mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.

Mas, voltando à propaganda política. O povo está perplexo: o que será que os políticos, todos eles,  pensam de suas próprias palavras? Não sei. Apenas sei que sinto uma grande tristeza quando me recordo de nossos irmãos que passam fome em pleno campo, de crianças pedindo esmolas nas esquinas das grandes cidades, dos velhos que morrem em albergues miseráveis, etc., etc. Mas, observador do ser humano, não me desanimo.  Se “para um escritor, a linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação que envolve enorme cuidado, respeito, quase uma reverência religiosa...”, como disse Vargas Llosa no parágrafo lá de cima, e se “uma palavra limpa é uma palavra possível.”, como disse Viviane Mosé, ainda resta a esperança de que um dia todos nós descubramos que “solidariedade”, “amor”, “amizade”e sobretudo “verdade” são palavras que ainda estão vivas, bem vivas. E neste dia nenhum cronista precisará escrever a este respeito.

 

(28 de janeiro/2006)
CooJornal no 461


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br