16/08/2023
Ano 26 Número 1.330
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
CARTA À IRENE SERRA
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Prezada Irene,
Recebi seu e-mail reclamando que não tenho escrito. Me justifico: Três
Corações é uma cidade sitiada que atualmente está passando por uma
situação complicada. É que o Rei Pelé nasceu aqui, o que dá certo status à
cidade ainda que ele tenha ido para Bauru, ou Santos, quando recém
nascido. Mas, para nosso azar, o ET, cismou de baixar em Varginha, cidade
vizinha com a qual temos uma rixa danada, e levou para lá os nove turistas
que vinham nos visitar anualmente e tirar fotos sorridentes em frente à
estátua do craque. Foi um caos. Culparam o prefeito, o bispo, o
diabo-a-quatro. Formou-se uma disputa que me amedrontou tanto que fiquei
sem sair de casa, abrir as janelas ou ligar o computador.
Acho que
Pelé joga melhor futebol, mas nesses tempos de mistérios, de Harry Potter,
de Senhor dos Anéis, etc., as pessoas se aproximaram mais da magia, do
mistério, e o danado do ET tem levado vantagens.
Para piorar a
situação, não temos esgoto decente, nossas “necessidades” são jogadas no
Rio Verde. E Varginha colocou, logo em sua entrada, uma enorme placa:
VARGINHA TEM ESGOTO TRATADO PELA COPASA. CIDADE LIMPA CIDADE CIVILIZADA.
Acredito que só não houve guerra porque alguns vereadores e parte da
imprensa tricordiana foi contra o projeto de tratamento do nosso esgoto e
não pegava bem, numa hora destas, levantarem as cristas. Ah, não fosse
isso teríamos a primeira “Guerra Intestina” do planeta! Tenho, ou não,
razão em estar com medo?
Mas, cá para nós, estas rivalidades não
são exclusivamente nossas, estão presentes na vida de todos os povos do
planeta, e nos ajuda a compreender suas mazelas e, principalmente, seu
humor.
Dou alguns exemplos brasileiros: no estado do Rio moradores
de outra cidade diziam “Macaé: má terra, má gente, má maré”. Em São Paulo:
“Caboclo de Taubaté, cavalo pangaré e mulher que mija de pé, libera nóis,
Dominé!” - Este “dominé” será uma corruptela de “Dominus?” Sei lá, fica a
critério dos meus 3 ou 4 leitores eventuais leitores e ouvintes.
A
competição existe também entre estados e é tradicional a rixa entre
mineiros e capixabas. Dizíamos: “capixaba começa mas não acaba.”, enquanto
que no Espírito Santo nos devolviam: “de Minas o ouro, do mineiro o
couro.” Aliás, acho que somos mesmo implicantes, já que fuxicávamos do Rio
Grande do Sul: “Gaúcho só com faca no bucho.”, e de São Paulo: “Paulista,
nem fiado, nem à vista.” E ficávamos fulos da vida quando São Paulo
rebatia: “Mineiro, nem a prazo nem a dinheiro.”
Amadeu Queiroz, em
seus estudos, achou estas pérolas: “quem casa com paulista nunca mais
levanta a crista.” e “quem casa com mineiro vive sempre no chiqueiro.”
Esta última frase em consequência de Minas ter sido terra de grandes
criadores de porco.
Cornélio Pires nos diz que os moradores de
Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, chamavam os pelotenses de
“papa-cebo” e os pelotenses chamavam os Lagoenses de “papa-areia”.
Um dia Milton Nascimento me disse: “Braz, para matar um homem de Três
Corações, só uma faca de Três Pontas!”. Recentemente, tomando um whisky na
orla de Petrolina elogiei a vista de Juazeiro, do outro lado do São
Francisco. O homem da barraca, entre gozador e ofendido, retrucou: “É,
eles ficam lá olhando pra cá que é mais bonito.”
Para terminar
minha justificativa, este exemplo citado por Leonardo Arroyo – do qual
eliminei muitos versos para abreviá-lo -, que ilustra bem a rivalidade
entre cidades, povoados, etc. “Carinhanha é bonitinha Malhada é que
não é. Passo fora de Morrinho, Pago imposto em Jacaré. Januária é
da cachaça, São Francisco é da desgraça, São Romão – feitiçaria,
Pirapora, putaria.”
Um grande abraço, Braz
(01
de janeiro/2006) CooJornal no 457
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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