Encontro, jogado num
canto da estante, um velho livro publicado pela Imprensa Universitário
do Ceará, com a seguinte dedicatória:
“Todo o Brasil se levanta,
Contrito de coração,
Para receber, em breve,
Cheio de satisfação,
JK 65
O salvador da nação!
A ele e sua família,
Que eu considero sagrada,
Ofereço este meu livro,
Com a alma esperançada
De vê-lo, em 65,
No Palácio da Alvorada!
(ass.: Aderaldo)
A dedicatória foi
escrita em Fortaleza, no dia 24 de outubro de 1963, mas me recordo da
tarde em que o Cego Aderaldo foi ao escritório de JK, na Rua Sá
Ferreira, no Rio, e entregou-lhe o livro.
Naquela época, com 21
anos, tinha apenas uma vaga noção de quem era aquele homem que Rachel de
Queiroz chamou de “O último dos grandes cantadores.” E é como
Rachel escreveu, no prefácio do livro, que me lembro dele: Aderaldo é
um velho de mais de oitenta anos, espigado, rijo, fala sonora de homem
habituado a dominar auditórios. Tem o riso fácil – é um cego alegre. Seu
repertório, porque os cantadores não apenas improvisam, mas também
cantam versos de lavra alheia, especialmente os da musa popular, - seu
repertório, com poucas exceções, é bem humorado, quase humorístico...”
Naquele dia ele fora
agradecer, mais uma vez, uma homenagem que JK lhe havia prestado
concedendo-lhe, numa época em que a profissão de artista não era
reconhecida, uma pensão de cinco mil cruzeiros mensais. Digo “mais uma
vez” porque ele já o havia feito em versos, logo após a publicação do
benefício no Diário Oficial de 12 de abril de 1960:
Agradeço a JK,
Presidente da Nação,
Que antes de ir pra Brasília
Assinou minha pensão,
Afirmo que ele tirou
Um cego da precisão...
Ele, a
21 de abril,
Cumpriu o seu ideal:
Inaugurando Brasília,
Cidade sem ter rival,
E que será, para sempre,
A Capital Federal.
Só tu,
bonita Brasília,
Vieste para empolgar
Este bonito planalto,
O sonho de JK,
Foi Juscelino quem fez
Todo o Brasil acordar!
O
Brasil, há muitos anos,
Vivia em pesado sono,
Mas, agora despertou,
Tendo JK por dono,
O poder desta Nação
Continua em novo trono.
Já
estamos antevendo
Do Brasil o bom destino;
Novos governos virão
Cheios de fé e bom tino:
Outro talvez continue
A Obra de Juscelino...
Envio
à sua Família
(Que para mim é sagrada)
As mil felicitações
De minha’alma consolada,
Para que Deus ilumine
O Palácio da Alvorada!...”
Aderaldo era um homem
simples que, como era e é comum entre os cantadores, às vezes trocava o
sentido das palavras - como o contrito da dedicatória, por
exemplo – mas transmitia o que queria dizer com luminosidade.
JK era um presidente de
coração imenso, que amava a arte e compreendia os artistas, suas
alegrias, angústias e necessidades. Ele não voltou em 65. Com o golpe
militar, amargou o exílio e seus direitos foram cassados.
Outros Presidentes
passaram por Brasília. Mas todos viveram à sombra - ou assombrados? - de
JK. Outros cegos empunharam a viola e cantaram as misérias e grandezas
de nosso país. Mas nenhum deles como Aderaldo, o cego que criava luz.
(19 de novembro/2005)
CooJornal
no 451