29/10/2005
Número - 448


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



PISTAS E DESPISTAMENTOS

Uma coisa que me chama a atenção, quando vejo um escritor dar uma entrevista ou em conversas com estranhos, é o “despistamento”.  Não sei por que, não gostam de revelar quem os influenciou ou ajudou a formar seu estilo. Nelson Rodrigues era mestre nisto.  Numa conversa com um grupo de amigos ouvi, em menos de meia hora, ele dizer que lia Dostoiévski desde criança, que nunca o havia lido e que “já tinha dado uma olhada”. É claro que todos nós sabíamos que Nelson não apenas lia o mestre russo como o citava frequentemente em suas crônicas e até mesmo suas peças.   No entanto, Nelson sempre afirmou aos quatro ventos que era grande leitor dos folhetins e dos romances policiais. Despistava com uns e era categórico com outros.

Rachel de Queiroz também despistava.  E uma das vezes em que conversamos, me afirmou que não lia policiais e, sem seguida, me pediu sugestão de alguns autores. Pouco tempo depois recebi dela TANTOS ANOS, seu belo livro de memórias escrito a quatro mãos com Maria Luíza Queiroz e, no capítulo 42, em que fala dos livros e de sua biblioteca, está lá para todo mundo ler: “Entretanto, o que ocupa mais espaço, literalmente metros e metros, às vezes em fila dupla, são os pocket-books policiais. De Agatha Christie aos mais sofisticados, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Ngaio Marsh, Rex Stout (uma paixão), Mick Spillane (não gosta muito) John Lê Carré; de franceses, apenas Simenon. Além desses, os mais modernos, Patrícia Highsmith, Josephine Tey e tantos e tantos mais.”

Maria Luíza Queiroz continua: Os amigos que viajam sempre lhe trazem pocket-books – o melhor presente. Isso já desde muito tempo: uma das suas fornecedoras de romances policiais foi Elizabeth Bishop, a grande poeta americana.

Recentemente li crítica sobre um romance de um amigo, grande sucesso no país, dizendo que o livro tinha recebido “influência narrativa” de Stern e Machado de Assis.  Fiquei abobalhado, a história, o ritmo narrativo e até mesmo o enredo tinha uma clara influência de Fielding. Até mesmo os nomes dos personagens eram semelhantes aos do grande romancista inglês.  Telefonei para o escritor e ele, rindo feito criança, me respondeu: “Despistamento, Braz. Despistamento!” 

Meditei sobre o caso e concordei: o escritor tem o direito de despistar seus inspiradores ou paradigmas.  Seria extremamente chato começarmos a ler O NOME DA ROSA, por exemplo, sabendo que o veneno que está nas páginas dos livros veio de O CASO SAINT-FIACRE, de Simenon, onde o veneno está nas páginas do missal, que o capítulo tal é quase uma transcrição de um trecho do ZADIG, de Voltaire, etc., etc. Humberto Eco, aliás, faz uma verdadeira brincadeira com os leitores, citando abertamente outros livros, outros personagens (alguns explícitos como, por exemplo o nome de Adson  - elementar, meu caro Watson – homenageando Conan Doyle). 

Mas comecei falando de “despistamentos” e me perdi na crônica.  Talvez seja melhor seguir pistas, como fazem os detetives e os jornalistas,  para um bom divertimento. E quem quiser se divertir com uma boa, excelente literatura, aconselho CRIME FEITO EM CASA, antologia de contos policiais organizada por Flávio Moreira da Costa, publicada pela Record Editores.

O livro, que é sucesso de venda, nos dá um panorama da Literatura Policial Brasileira desde Machado de Assis até os dias de hoje.  Lendo-o descobrimos por que   Elizabeth Bishop, Vinícius de Moraes, Guimarães Rosa, que tem alguns contos policiais escrito mas, infelizmente, não publicados, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz e tantos outros grandes escritores foram aficionados do gênero.

Ler um bom livro Policial é um dos poucos prazeres que resistem ao tempo e que, dia a dia, ganha mais adeptos. CRIME FEITO EM CASA, certamente, é um livro que ajuda a conquistar estes adeptos.



(29 de outubro/2005)
CooJornal no 448


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br