Uma coisa
que me chama a atenção, quando vejo um escritor dar uma entrevista ou em
conversas com estranhos, é o “despistamento”. Não sei por que, não
gostam de revelar quem os influenciou ou ajudou a formar seu estilo.
Nelson Rodrigues era mestre nisto. Numa conversa com um grupo de amigos
ouvi, em menos de meia hora, ele dizer que lia Dostoiévski desde
criança, que nunca o havia lido e que “já tinha dado uma olhada”. É
claro que todos nós sabíamos que Nelson não apenas lia o mestre russo
como o citava frequentemente em suas crônicas e até mesmo suas peças.
No entanto, Nelson sempre afirmou aos quatro ventos que era grande
leitor dos folhetins e dos romances policiais. Despistava com uns e era
categórico com outros.
Rachel de
Queiroz também despistava. E uma das vezes em que conversamos, me
afirmou que não lia policiais e, sem seguida, me pediu sugestão de
alguns autores. Pouco tempo depois recebi dela TANTOS ANOS, seu
belo livro de memórias escrito a quatro mãos com Maria Luíza Queiroz e,
no capítulo 42, em que fala dos livros e de sua biblioteca, está lá para
todo mundo ler: “Entretanto, o que ocupa mais espaço,
literalmente metros e metros, às vezes em fila dupla, são os
pocket-books policiais. De Agatha Christie aos mais sofisticados,
Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Ngaio Marsh, Rex Stout (uma paixão),
Mick Spillane (não gosta muito) John Lê Carré; de franceses, apenas
Simenon. Além desses, os mais modernos, Patrícia Highsmith, Josephine
Tey e tantos e tantos mais.”
Maria Luíza
Queiroz continua: “Os amigos que viajam sempre lhe trazem
pocket-books – o melhor presente. Isso já desde muito tempo: uma das
suas fornecedoras de romances policiais foi Elizabeth Bishop, a grande
poeta americana.”
Recentemente
li crítica sobre um romance de um amigo, grande sucesso no país, dizendo
que o livro tinha recebido “influência narrativa” de Stern e Machado de
Assis. Fiquei abobalhado, a história, o ritmo narrativo e até mesmo o
enredo tinha uma clara influência de Fielding. Até mesmo os nomes dos
personagens eram semelhantes aos do grande romancista inglês. Telefonei
para o escritor e ele, rindo feito criança, me respondeu:
“Despistamento, Braz. Despistamento!”
Meditei
sobre o caso e concordei: o escritor tem o direito de despistar seus
inspiradores ou paradigmas. Seria extremamente chato começarmos a ler
O NOME DA ROSA, por exemplo, sabendo que o veneno que está nas
páginas dos livros veio de O CASO SAINT-FIACRE, de Simenon, onde
o veneno está nas páginas do missal, que o capítulo tal é quase uma
transcrição de um trecho do ZADIG, de Voltaire, etc., etc.
Humberto Eco, aliás, faz uma verdadeira brincadeira com os leitores,
citando abertamente outros livros, outros personagens (alguns explícitos
como, por exemplo o nome de Adson - elementar, meu caro Watson –
homenageando Conan Doyle).
Mas comecei
falando de “despistamentos” e me perdi na crônica. Talvez seja melhor
seguir pistas, como fazem os detetives e os jornalistas, para um bom
divertimento. E quem quiser se divertir com uma boa, excelente
literatura, aconselho CRIME FEITO EM CASA, antologia de contos
policiais organizada por Flávio Moreira da Costa, publicada pela Record
Editores.
O livro, que
é sucesso de venda, nos dá um panorama da Literatura Policial Brasileira
desde Machado de Assis até os dias de hoje. Lendo-o descobrimos por
que Elizabeth Bishop, Vinícius de Moraes, Guimarães Rosa, que tem
alguns contos policiais escrito mas, infelizmente, não publicados,
Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz e tantos outros grandes escritores
foram aficionados do gênero.
Ler um bom
livro Policial é um dos poucos prazeres que resistem ao tempo e que, dia
a dia, ganha mais adeptos. CRIME FEITO EM CASA, certamente, é um
livro que ajuda a conquistar estes adeptos.
(29 de outubro/2005)
CooJornal
no 448