Ontem à noite,
folheando um velho livro de contos de Salinger, relendo sua misteriosa
epígrafe: “Todos conhecemos o som de duas mãos que aplaudem.
Mas qual será o som de uma só mão que aplaude?”
pensei no jovem artista, VITOR SANTANA, que está lançando seu
primeiro CD, ABRA PALAVRA, e fazendo uma ligação
entre as Artes imaginei que o momento de criação – a epifania, na
definição de James Joyce – é um momento tão sagrado que se assemelha a
uma desfragmentação do universo para reuni-lo na própria obra criada.
Talvez seja esta a
visão que Michelangelo teve ao ver a pedra bruta da qual retirou seu
maravilhoso Davi. Creio que foi preciso que ele desfragmentasse a
rocha para construí-lo em seu interior, e depois buscá-lo retirando caco
por caco, excesso por excesso, até atingir a essência.
Creio, também, que foi
preciso Villa-Lobos eliminar todos os sons da natureza que o circundava
para, do silêncio, retirar aqueles que só ele ouvia e que formaram sua
obra plena da natureza brasileira.
Este é o grande
mistério do Artista: ele vê uma rocha como ninguém a viu antes.
Ele ouve um som como ninguém ouviu antes.
Será por isto, por esta
percepção singular, que ele está só em sua criação? Sim, o artista está
tão só como a jovem mãe no momento do parto, ou como o velho no momento
da morte. Mas ele sabe que esta solidão é necessária, como são
necessários seus frutos e suas sementes.
É esta solidão que
VITOR está sentindo agora: a solidão dos santos e dos
criadores. Ele está remexendo, recriando seu mundo e extraindo dele a
música que sempre o acompanhou. E aqui abro um parêntese para dizer que
faço esta afirmação porque quando o conheci, ele com 14 ou 15 anos, já
havia se decidido e afirmava categórico: “SOU MÚSICO!”. Fecho o
parêntese e penso no escritor chinês, de cujo nome não me lembro, que
disse: “Nós, os poetas, lutamos com o Não-ser para forçá-lo a
produzir o Ser. Batemos à porta do silêncio à procura da música.” E
VITOR, este poeta mineiro, brasileiro, universal, bate à porta do
silêncio e diz: - Abra palavra!
E da palavra, dos sons
das palavras, extrai preciosidades que compõem este CD que conta com
parcerias de Fernando Brant, Murilo Antunes, Gilberto Tafa, com os
arranjos de Flávio Henrique, e com a participação de Mariana Nunes, esta
artista que vem se firmando, cada vez mais, em nosso universo musical.
Nós, mineiros, que
vivemos entre montanhas, nos acostumamos a olhar para cima em busca do
horizonte. Nos acostumamos aos ecos que nascem das montanhas e
percorrem as veias de Ataulfo Alves, de Ary Barroso, de Milton
Nascimento e tanto outros que re-criam nossos sons maravilhosos. Nós,
mineiros, desenvolvemos nossa imaginação nos mistérios das margens,
percorrendo as veredas do Grande Sertão mítico e místico de Guimarães
Rosa, percorrendo as ruas de minérios da Itabira de Drummond e de
tantas e tantas páginas da grande literatura.
Nós, mineiros,
crescemos ouvindo o canto triste da Verônica, o grito dos Inconfidentes,
o silêncio dos Profetas, o canto dos sabiás, dos cabeças-de-fogo e dos
pintassilgos.
Nós mineiros sabemos
saudar ao jovem artista que chega – e chega para ficar.
E já que comecei esta
crônica citando Salinger, vou terminá-la citando Rainer Maria Rilke e
suas CARTAS A UM JOVEM POETA: “...aceite o destino e
carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com
recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um
mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se
aliou.”
Sábios conselhos que,
tenho certeza, VITOR SANTANA está seguindo. Por isto ele nos
oferece, vindo de seu mundo, este belíssimo trabalho pleno de sons e de
poesia. ABRA PALAVRA.
(08 de outubro/2005)
CooJornal
no 445