08/10/2005
Número - 445


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



Abra palavra

Ontem à noite, folheando um velho livro de contos de Salinger, relendo sua misteriosa epígrafe: “Todos conhecemos o som de duas mãos que aplaudem.
                                  Mas qual será o som de uma só mão que aplaude?”
pensei no jovem artista, VITOR SANTANA, que está lançando seu primeiro CD, ABRA PALAVRA, e fazendo uma ligação entre as Artes imaginei que o momento de criação – a epifania, na definição de James Joyce – é um momento tão sagrado que se assemelha a uma desfragmentação do universo para reuni-lo na própria obra criada. 

Talvez seja esta a visão que Michelangelo teve ao ver a pedra bruta da qual retirou seu maravilhoso Davi. Creio que foi preciso que ele desfragmentasse a rocha para construí-lo em seu interior, e depois buscá-lo retirando caco por caco, excesso por excesso, até atingir a essência. 

Creio, também, que foi preciso Villa-Lobos eliminar todos os sons da natureza que o circundava para, do silêncio, retirar aqueles que só ele ouvia e que formaram sua obra plena da natureza brasileira.  

Este é o grande mistério do Artista: ele vê uma rocha como ninguém a viu antes.  Ele ouve um som como ninguém ouviu antes. 

Será por isto, por esta percepção singular, que ele está só em sua criação? Sim, o artista está tão só como a jovem mãe no momento do parto, ou como o velho no momento da morte.  Mas ele sabe que esta solidão é necessária, como são necessários seus frutos e suas sementes.

É esta solidão que VITOR está sentindo agora: a solidão dos santos e dos criadores. Ele está remexendo, recriando seu mundo e extraindo dele a música que sempre o acompanhou.  E aqui abro um parêntese para dizer que faço esta afirmação porque quando o conheci, ele com 14 ou 15 anos, já havia se decidido e afirmava categórico: “SOU MÚSICO!”.   Fecho o parêntese e penso no escritor chinês, de cujo nome não me lembro, que disse: “Nós, os poetas, lutamos com o Não-ser para forçá-lo a produzir o Ser. Batemos à porta do silêncio à procura da música.” E VITOR, este poeta mineiro, brasileiro, universal, bate à porta do silêncio e diz:   - Abra palavra!

 E da palavra, dos sons das palavras, extrai preciosidades que compõem este CD que conta com parcerias de Fernando Brant, Murilo Antunes, Gilberto Tafa, com os arranjos de Flávio Henrique, e com a participação de Mariana Nunes, esta artista que vem se firmando, cada vez mais, em nosso universo musical.

Nós, mineiros, que vivemos entre montanhas, nos acostumamos a olhar para cima em busca do horizonte.  Nos acostumamos aos ecos que nascem das montanhas e percorrem as veias de Ataulfo Alves, de Ary Barroso, de Milton Nascimento e tanto outros que re-criam nossos sons maravilhosos. Nós, mineiros, desenvolvemos nossa imaginação nos mistérios das margens, percorrendo as veredas do Grande Sertão mítico e místico de Guimarães Rosa, percorrendo as ruas de minérios da Itabira de Drummond  e de tantas e tantas páginas da grande literatura.

Nós, mineiros, crescemos ouvindo o canto triste da Verônica, o grito dos Inconfidentes, o silêncio dos Profetas, o canto dos sabiás, dos cabeças-de-fogo e dos pintassilgos. 

Nós mineiros sabemos saudar ao jovem artista que chega – e chega para ficar.

E já que comecei esta crônica citando Salinger, vou terminá-la citando Rainer Maria Rilke e suas CARTAS A UM JOVEM POETA: “...aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.”

Sábios conselhos que, tenho certeza, VITOR SANTANA está seguindo. Por isto ele nos oferece, vindo de seu mundo, este belíssimo trabalho pleno de sons e de poesia. ABRA PALAVRA.



(08 de outubro/2005)
CooJornal no 445


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br