01/10/2005
Número - 444
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
E DEUS CRIOU A MULHER |
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Ontem à noite, entrei na Internet buscando conhecimentos pra trocar com
as crianças que estudam Teatro em nosso projeto.
De repente foi como se o universo se apresentasse diante de mim, com
toda sua explicação e sua lógica. Cada informação puxava outra e fiquei
horas diante do computador, mais uma vez maravilhado com o que a
tecnologia pode nos oferecer.
Lá pelas tantas escutei o primeiro bem-te-vi, esse pássaro madrugador,
gritando ao longe e percebi que amanhecia.
Desliguei o computador e, em uma fração de segundo, sumiram de minha
frente os teatros de Nova York, os musicais de Paris, os balés de
Moscou, os livros que gostaria de ler. Me senti triste, sozinho, e saí
para assistir o nascer do dia.
Pouco a pouco foram surgindo os primeiros raios vermelhos no céu azul e
pensei no início da criação, quando só havia trevas e silêncio - um
silêncio tão grande que só Deus ouvia. E trevas tão imensas que só Ele
via. Mas, o que será que Deus ouvia nesse silêncio, o que será que ele
via nessas trevas? Sei que uma simples semente traz dentro de si a
história da planta que ela será no futuro. Sei que trazemos dentro de
nós toda a história da raça humana... Mas não conseguia encontrar a
resposta. Talvez por estar com sono, talvez porque Ele não me quisesse
mostrá-la.
Parei perto de nosso Rio Verde, observando a cidade dormir, imaginando
quantas histórias estavam acontecendo naquelas casas simples. Talvez uma
mãe acariciando um filho recém-nascido, um casal de jovens adormecidos
lado a lado, um marido brigando com a mulher por alguma insignificância,
uma adolescente sonhando, solitária, com seu futuro, um velho insone
pensando em sua cidade, em sua gente...
E foi assim, absorto nesses pensamentos, que percebi uma mulher
atravessando a ponte. Ouvi os passos delicados, vi o corpo se
movimentando com vagar e, de repente, maravilhado, percebi que estava
presenciando um momento eterno. Um momento de harmonia. A grande
harmonia entre a feminina terra e a feminina mulher. O momento em que as
duas, a mulher e a terra, caminhando no mesmo ritmo, compunham a
sinfonia cósmica.
Meu Deus, eu pensei, seria esta sinfonia que Deus estaria ouvindo no
momento em que criou esse nosso mundo?
E por um instante O vi apanhar um pedaço do barro da terra e fazer o
homem. Mas o homem era triste em sua solidão. E para ele nada tinha
sabor ou cores, e tudo era silêncio.
E Deus, vendo a solidão do homem, criou a mulher.
E vendo a beleza da mulher, sentiu-se alegre.
E de sua alegria nasceu o ar e as nuvens e o colorido do céu. E nasceram
os rios, e os oceanos, e as plantas, e as cores da terra. E nasceram as
flores, os frutos. E das flores e dos frutos nasceram o perfume e o
paladar. E nasceram os pássaros. E dos pássaros, do correr das águas, do
farfalhar das folhas, nasceu a música. E da música nasceu a poesia.
Deus é o poeta: Ele criou a mulher.
(01 de outubro/2005)
CooJornal
no 444
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br
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