17/09/2005
Número - 442
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
JANELAS |
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Rubem Braga nos conta que Murilo Mendes “...ia passando com um amigo
por uma rua de Botafogo quando viu uma mulher na janela de um sobrado.
Deu uma coisa no poeta, ele se deteve na calçada fronteira, ergueu os
braços e gritou:
- Meus parabéns, minha senhora. Está uma coisa belíssima! Mulher na
janela! Há muito tempo não se via! Está belíssimo!
A senhora, assustada, fechou a janela bruscamente, achando que estava
diante de um louco. Mas o poeta prosseguiu seu caminho com o sentimento
do dever cumprido.”
É compreensível a alegria e o assombro de Murilo: as mulheres não chegam
mais às janelas e, quando isto acontece causa-nos surpresa. A televisão,
no dizer de Nelson Rodrigues, matou a janela. A vida atual nos tornou
apressados, sem tempo para contemplações. Os homens deixaram de se
encontrar nas calçadas para jogar dama, dados, baralho ou simplesmente
prosear. As crianças não soltam mais papagaios nem rodam piões e até
mesmo os velhos deixaram de contar histórias.
Nossas ruas se desumanizaram com o mercantilismo desenfreado e a
violência, nossas casas venderam suas almas para as parafernálias
eletrônicas e até o amor está sendo comercializado através de
disc-namoro, disc-casamento, disc-sexo, etc., etc.
Não há mais o flerte, o encontro furtivo, o sussurro, o beijo roubado. É
tudo rápido, calculado, anunciado aos quatro ventos (ou canais). Já não
se ama com delicadeza, como queria Mário Quintana:
“Se tu me amas, ama-me baixinho
Não grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...”
Talvez, por não perceber esta brevidade, o homem acumula riquezas,
constrói cidades, derruba florestas, mata indiscriminadamente, destrói
sua morada divina, a terra.
O homem possui carros potentes, aviões supersônicos, televisores,
computadores que lhe permitem a comunicação com qualquer parte do mundo
em fração de segundos, mas está só. Irremediavelmente só. E nesta
solidão ele nunca gritará como o poeta:
“Está uma coisa belíssima!... Está belíssima!”, pois ele mesmo está
fechando todas as janelas e todas as portas por onde entra a luz da
revelação, da compreensão da vida.
(17 de setembro/2005)
CooJornal
no 442
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br
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