01/10/2021 Ano
24 Número 1.242
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
|
Braz Chediak
AMORES DESESPERADOS
|
|
Eu me lembro
de que, há muitos anos, a Rua da Cotia amanheceu com uma notícia que
deixou a cidade toda em polvorosa: a fulana fugiu com um soldado da
polícia! As mulheres abriam as janelas, cochichavam, chamavam as vizinhas
para comentar o fato. Os homens se reuniam nas barbearias, vendas e
botequins com, sorrisos maliciosos, saboreando o fato. As notícias
chegavam desencontradas: uns diziam que o marido traído estava armado para
matar a ingrata e seu amante, outros que ele estava trancado num quarto
escuro, o paletó do terno molhado de lágrimas, berrando de dor e de
vergonha. E não queria mais comer ou beber água.
Por um lado,
invejei o amante. Eu nunca havia visto aquela mulher, é verdade, mas o
fato de ela ter fugido com outro dava-lhe um certo mistério, um tom de
aventura. Eu a imaginava vestida como uma vamp de cinema, seios arfantes,
olhar de serpente, atravessando os vagões do trem em movimento - coisa
terminantemente proibida para nós, crianças, e que era o máximo em
aventura - ou caminhando em ruas escuras em companhia do amado.
Por
outro, senti imensa piedade pelo marido. Me entristecia com seu grito de
dor, seus cabelos desalinhados - naquela época, um homem de respeito não
aparecia em público sem pentear os cabelos - sua barba crescida e, mais
que tudo, pelo fato de não querer comer.
Aquelas imagens, da mulher
maravilhosa e do marido tenebroso, me ficaram na cabeça durante todo o
dia. À noite meu avô ainda comentou, com um sorriso malandro: - Ah, a
fulana com aquela carinha de santa, quem diria! Boi sonso é que arromba o
curral!
É claro que, em seguida, a cidade inventou histórias: -
Há muito tempo eles estavam juntos!, diziam uns. - O marido sabia e
ficava quieto!, diziam outros. - O coitado nunca desconfiou!, falavam
terceiros.
O fato é que aquela santa senhora sumiu definitivamente
de Três Corações e o marido... bem, o marido, para esquecer a dor e a
vergonha, foi para a casa de um parente no interior de São Paulo e dizem
que chorou todas as manhãs de sua vida, soluçando o nome da amada.
Hoje nós não temos mais essas paixões arrebatadas. Os homens traídos não
se trancam mais em quartos escuros. Em geral, já têm outra engatilhada ou,
no máximo, ficam dois ou três dias bebendo com os amigos e de olho na
vizinha que passa rebolando em direção à padaria ou ao açougue.
As
mulheres, quando arrumam outro, no máximo comunicam ao marido: - Olha,
estou vazando! Tcháu!
Fazem a mala, levam o biquíni, a blusa mais
decotada, a saia mais justa, a caixa de camisinhas, e à noite já estão no
forró, dançando agarradinhas com o novo amor.
A palavra amante foi
substituída por “estou ficando”.
Às vezes me pergunto: será que as
pessoas deixaram de amar? Não. Não creio. É que estamos na era da
informática, no mundo globalizado, onde tudo é mais rápido. E as pessoas
se tornaram mais materialistas, os amores mais racionais, menos
desesperados. Nós temos coragem de ir à lua, mas perdemos a coragem de
dizer “eu te amo!” Ninguém revela mais o grande amor.
As mulheres
perderam a coragem de fugir com soldados da polícia. Os homens perderam a
coragem de se trancar num quarto escuro e, arrancando os cabelos, berrar
de dor, como berra de fome um bezerro desmamado: -
Muuuuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
(06 de agosto/2005)
CooJornal no 436.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
Direitos Reservados É proibida
a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou
impresso, sem autorização do autor.
|
|