Quem leu
O HERÓI DE MIL FACES, de Joseph Campbell chega à conclusão que todas
as histórias, desde os tempos mais remotos, em todos os lugares, possuem
alguns elementos estruturais comuns, presentes nos mitos, contos de
fadas, músicas, filmes, etc. Um exemplo, em nossa época, é a história de
Peter Pan que serviu como inspiração ou paradigma para o filme E.T., de
Steven Spielberg e que o diretor faz questão de ressaltar na cena em que
a mãe lê o livro para Gertie e, principalmente, no final quando
os garotos voando na frente da lua ou do sol poente fecham a ligação
prestando uma homenagem ao desenho original de Disney.
Na
literatura também os temas e as estruturas são repetidas durante
séculos, prova viva que Arte é evolução. Exemplo típico, entre nós, é
GRANDE SERTÃO:VEREDAS onde o escritor mineiro usa e abusa de seus
ancestrais romances de cavalaria e dos épicos de diversos povos
transformando-os numa epopéia brasileira de dimensões universais. E
também ele, Guimarães Rosa, faz questão de nos revelar esta influência,
ou homenagem, tanto na oralidade do todo como nas falas de seus
personagens: “Tudo é e não é... – Riobaldo, Grande
Sertão:Veredas”, “Cada um com seu contrário, em um
sujeito” - Camões. Canção III, Lírica), etc., etc., etc.
No conto
também essa transformação, ou reinvenção, tem sido constante. Para não
me estender, aconselho a leitura da antologia OS GRANDES CONTOS
POPULARES DO MUNDO, organizada por Flávio Moreira da Costa, lançada
pela EDIOURO. Nela vemos claramente este espírito que paira sobre todas
as obras e citamos como exemplo o conto alemão do século XIII, O
GUERREIRO JULIANO, de Cesarius von Heisterbach do qual originou A
LENDA DE SÃO JOÃO HOSPITALEIRO, de Flaubert, escrito no século
XIX. O curioso é que ambos foram traduzidos por Flávio e utilizados em
suas excelentes antologias: o segundo em OS MELHORES CONTOS DE MEDO,
HORROR E MORTE e o primeiro na já citada OS GRANDES CONTOS
POPULARES DO MUNDO, o que confirma a seriedade e profundidade das
pesquisas que este escritor gaúcho/carioca efetua para realizar seu
trabalho.
“E, em
intervalos de toda ordem, de tempo, cultura, geografia, o que se tem são
contos transeuntes que passaram e passam de um lado do mundo para outro,
ignorando passaportes e postos alfandegários (que aliás nem sequer
existiam). Como – um exemplo entre milhares – a história de Cinderela,
que viajou da China milenar para a Europa no Século XIX. Isto explica em
parte a presença dos mesmos temas, das mesmas histórias, em lugares e
épocas tão distantes.”, nos diz Flávio na apresentação de seu novo
trabalho.
Na orelha do
livro Alberto da Costa e Silva nos revela: “De repente saímos da
escuridão e da mata cerrada e damos com um prado florido, com uma
paisagem calma e perfeita.” Lendo esta antologia voltamos à sua poesia
quando nos diz na bela CANÇÃO ROMÂNTICA: “A amada ri. A
criança,/que outrora fui também ri...”. Este o sentimento que nos
vem ao ler OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO: voltamos a ser a
criança que outrora fomos, e rimos de alegria ao ouvir as vozes que nos
contaram histórias e que resurgem desse maravilhoso museu que é nossa
memória.
Com
excelentes traduções assinadas por Celina Portocarrerro, Beatriz Lobo da
Costa, Roberto Grey, Rubem Mauro Machado, Ivan Weisz Kuck, Alves
Moreira, Ildikó Sütö, Vera Wathely, Inês A. Lohbauer, Ludovido Garmus,
do próprio Flávio Moreira da Costa e recriações de Leonardo Fróes, OS
GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO, é um livro que encantará a todos,
adultos e crianças, que recordará a uns e apresentará a outros histórias
eternas como ALÍ BABÁ E OS QUARENTA LADRÕES, SIMBAD, O MARUJO, GUILHRME
TELL, o ciclo PEDRO MALAZARTES, ORFEU E EURÍDICE, PEDRO E O LOBO, além
de dezenas de outros que não conhecíamos e que agora passa a pertencer a
todos nós, leitores brasileiros.
Voltando a
Campbell, no já citado O HERÓI DAS MIL FACES ele nos revela um
ditado japonês que diz: “Quando os homens oram aos deuses pedindo
riqueza, estes apenas riem” mas para nós os deuses das histórias nos
mandam essa preciosidade que é OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO.
(30 de julho/2005)
CooJornal
no 435