30/07/2005
Número - 435


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO

Quem leu O HERÓI DE MIL FACES, de Joseph Campbell chega à conclusão que todas as histórias, desde os tempos mais remotos, em todos os lugares, possuem alguns elementos estruturais comuns, presentes nos mitos, contos de fadas, músicas, filmes, etc. Um exemplo, em nossa época, é a história de Peter Pan que serviu como inspiração ou paradigma para o filme E.T., de Steven Spielberg e que o diretor faz questão de ressaltar na cena em que a mãe lê o livro para Gertie e, principalmente, no final quando os garotos voando na frente da lua ou do sol poente fecham a ligação prestando uma homenagem ao desenho original de Disney.

Na literatura também os temas e as estruturas são repetidas durante séculos, prova viva que Arte é evolução.  Exemplo típico, entre nós, é GRANDE SERTÃO:VEREDAS onde o escritor mineiro usa e abusa de seus ancestrais romances de cavalaria e dos épicos de diversos povos transformando-os numa epopéia brasileira de dimensões universais. E também ele, Guimarães Rosa, faz questão de nos revelar esta influência, ou homenagem, tanto na oralidade do todo como nas falas de seus personagens:  “Tudo é e não é... – Riobaldo, Grande Sertão:Veredas”,Cada um com seu contrário, em um sujeito” - Camões. Canção III, Lírica), etc., etc., etc.

No conto também essa transformação, ou reinvenção, tem sido constante.  Para não me estender, aconselho a leitura da antologia OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO, organizada por Flávio Moreira da Costa, lançada pela EDIOURO. Nela vemos claramente este espírito que paira sobre todas as obras e citamos como exemplo o conto alemão do século XIII, O GUERREIRO JULIANO, de Cesarius von Heisterbach do qual originou A LENDA DE SÃO JOÃO HOSPITALEIRO, de Flaubert, escrito no século XIX.   O curioso é que ambos foram traduzidos por Flávio e utilizados em suas excelentes antologias: o segundo em OS MELHORES CONTOS DE MEDO, HORROR E MORTE e o primeiro na já citada OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO, o que confirma a seriedade e profundidade das pesquisas que este escritor gaúcho/carioca efetua para realizar seu trabalho.

“E, em intervalos de toda ordem, de tempo, cultura, geografia, o que se tem são contos transeuntes que passaram e passam de um lado do mundo para outro, ignorando passaportes e postos alfandegários (que aliás nem sequer existiam). Como – um exemplo entre milhares – a história de Cinderela, que viajou da China milenar para a Europa no Século XIX. Isto explica em parte a presença dos mesmos temas, das mesmas histórias, em lugares e épocas tão distantes.”, nos diz Flávio na apresentação de seu novo trabalho.

Na orelha do livro Alberto da Costa e Silva nos revela: “De repente saímos da escuridão e da mata cerrada e damos com um prado florido, com uma paisagem calma e perfeita.” Lendo esta antologia voltamos à sua poesia quando nos diz na bela  CANÇÃO ROMÂNTICA: “A amada ri. A criança,/que outrora fui também ri...”.  Este o sentimento que nos vem ao ler OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO: voltamos a ser a criança que outrora fomos, e rimos de alegria ao ouvir as vozes que nos contaram histórias e que resurgem desse maravilhoso museu que é nossa memória.  

Com excelentes traduções assinadas por Celina Portocarrerro, Beatriz Lobo da Costa, Roberto Grey, Rubem Mauro Machado, Ivan Weisz Kuck, Alves Moreira, Ildikó Sütö, Vera Wathely, Inês A. Lohbauer, Ludovido Garmus, do próprio Flávio Moreira da Costa e recriações de Leonardo Fróes, OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO, é um livro que encantará a todos, adultos e crianças, que recordará a uns e apresentará a outros histórias eternas como ALÍ BABÁ E OS QUARENTA LADRÕES, SIMBAD, O MARUJO, GUILHRME TELL, o ciclo PEDRO MALAZARTES, ORFEU E EURÍDICE, PEDRO E O LOBO, além de dezenas de outros que não conhecíamos e que agora passa a pertencer a todos nós, leitores brasileiros.

Voltando a Campbell, no já citado O HERÓI DAS MIL FACES ele nos revela um ditado japonês que diz: “Quando os homens oram aos deuses pedindo riqueza, estes apenas riem” mas para nós os deuses das histórias nos mandam essa preciosidade que é OS GRANDES CONTOS POPULARES DO MUNDO.



(30 de julho/2005)
CooJornal no 435


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br