01/10/2023
Ano 26 Número 1.337
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
“RESPONDE A MOÇA DESTARTE:”
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Não sei quem foi que
disse que entre Brasil e Portugal existe um idioma que nos separa. Sim, o
português falado em Portugal é diferente do falado no Brasil. Lá, a língua
é clássica, quase imutável, respeitada e amada como um patrimônio. E uma
língua que nos deu Camões, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, etc., etc., é
um patrimônio. Um belíssimo patrimônio. Aqui, um país jovem, que recebeu e
recebe imigrantes de todo o mundo, a língua é viva, se modifica, não
aceita ficar aprisionada nas grades da gramática. A gíria corre solta,
principalmente entre os jovens, ganha a televisão, a imprensa escrita,
torna-se instrumento de trabalho dos poetas e prosadores. Felizmente os
bons professores compreendem isto e incorporam essa modificação à sua
didática.
O professor Pasquale Cipro Neto é um deles. Através de
seus cursos na mídia tem contribuído para despertar, no grande público, o
interesse em falar e escrever correto, sem se sujeitar às normas rígidas
pregadas pelos acadêmicos. Ele usa como elemento condutor de seu curso o
que é o mais comum entre os jovens: a música. Seu método é fácil,
atraente, e sua figura simpática perde aquela austeridade dos mestres
antigos e ganha a intimidade dos alunos.
Mas, de vez em quando, o
jovem mestre dá uma escorregadela como, por exemplo, no último fascículo
de nossa língua em letra e música, encarte que fez parte do jornal O
Globo, distribuído aos domingos, e que reli recentemente. Falando sobre a
palavra “destarte”, Pasquale Cipro Neto cita Manuel Bandeira e diz:
“Claro, Bandeira é poeta ultrapassado, morreu há mais de trinta anos!”
Ledo e Ivo engano: Manoel Bandeira não é poeta ultrapassado. É, sim,
um poeta maior, que elaborava seus poemas como grande artista e os
trabalhava como magnífico artesão. Em seu ITINERÁRIO DE PASÁRGADA - cuja
capa, curiosamente, foi feita por Carlos Drummond de Andrade, seu
admirador confesso - acompanhamos seu trabalho poético, quase passo a
passo, e nos comovemos com o amor que ele tinha por seu ofício. Pelo amor
que ele tinha pelas palavras. E como é bela a palavra “destarte”, pena que
não a usemos mais, como não usamos “semblante”, “ternura” e “afeto”.
(Aliás, Camões também usou a palavra: “Destarte para o Rei de longe brada:
— "Ó tu, a cujos reinos e coroa ...” e quem tem coragem de dizer que
Camões está ultrapassado?).
O Professor Pasquale Cipro Neto tem
feito um bom trabalho em prol de nossa língua, somos gratos a ele. Mas por
ser um homem público, que está lidando com a cultura e ajudando na
formação de nossos jovens, não deveria julgar nossos poetas.
Manoel
Bandeira, Cassiano Ricardo, Drummond, João Cabral, Manuel de Barros, etc.,
etc. são nomes que honram a língua e nos deixam orgulhosos de sermos seus
contemporâneos. Dizer que qualquer um deles está “ultrapassado”, assim
mesmo, entre aspas, é não conhecer suas obras ou fazer um juízo
precipitado de um tema que deve ser tratado com respeito e profundidade.
Para terminar, uma história que presenciei: Nelson Rodrigues estava
tomando café, em frente à Última Hora, quando, ao ler uma crítica que
esculhambava alguém, jogou o jornal de lado e esbravejou:
- Em
qualquer parte do mundo, o sujeito pega uma espingarda, mata um leão,
empalha sua cabeça, pendura na parede e é considerado caçador pelo resto
da vida. No Brasil, a gente tem que matar um leão por dia!
Manuel
Bandeira não matou leões, mas foi um dos construtores de nossa língua e de
nossa cultura. A ele nossa gratidão e respeito.
E é só.
(09 de julho/2005) RRT, CooJornal no 428.
- Comentários sobre o texto podem ser enviados, diretamente, ao
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Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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