16/09/2023
Ano 26 Número 1.335
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
A SOLIDÃO DA ETERNIDADE
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Todos os dias, quando abro o
jornal ou ligo a televisão, dou de cara com notícias sobre clonagem. Chego
mesmo a pensar que a imprensa, banalizando este importante fato, está
fazendo um trabalho de propaganda para que a população do planeta aceite
esta aberração.
Do ponto de vista particular, me espanto com nossa
vaidade de querer viver eternamente ou, pior ainda, ter um duplo. Será que
não percebemos que somos seres únicos, que duplicar-nos será alterar a
harmonia de todo o universo?
Simone de Beauvoir, em seu livro Todos
os homens são mortais, criou um personagem, o Conde Fosca, que no século
13, após tomar um elixir, se torna imortal. “Fosca superou a morte. Viveu
a formação da nacionalidade italiana, andou pela América dos espanhóis,
conheceu o entusiasmo da liberdade na França dos enciclopedistas, e veio
aos dias de hoje...”
É comovente e triste quando, Beatriz, um de
seus muitos amores, lhe diz, recusando uma carícia:
- “Seu corpo me
dá medo. É de outra espécie.
Como era de outra espécie o Ser criado
pelo Dr. Frankenstein no genial livro de Mary Shelley. E como era
solitário este Ser. Quanta dor existe em suas palavras:
“- Todo
homem deve – exclamou ele – procurar uma esposa para aquecer seu coração,
todo animal deve ter sua companheira, e eu? Devo permanecer sozinho?”
Sim, o homem imortal está sozinho. Ele quer se igualar a Deus e não
tem a quem agradecer a vida.
O Conde Fosca procurou sua
imortalidade. A criatura de Frankenstein foi construído alheio à sua
vontade. É, mais ou menos, como o doador da célula e o clone.
O
doador, “eterno” porque possuirá órgãos novos para substituir os antigos
que adoecem, será um infeliz, pois verá seus amigos, esposas ou maridos
envelhecerem e morrerem. E pior, verá os próprios filhos envelhecerem e
morrerem.
O clone será infeliz, pois verá seu corpo ser retalhado
para dar vida a outro, saberá que outro precisa de sua morte para
sobreviver. E um dia ele descobrirá que foi feito pelas mãos do homem, e
não de Deus, e que seu paraíso é aqui e ele o está perdendo para sempre.
“Pedi eu, ó Criador, que do barro Me fizesses homem? Pedi para que
Me arrancasses das trevas?” (O Paraíso Perdido, X, 743-45)
- Ah,
dirão alguns, eu quero um clone para ser uma criatura como eu, e ter sua
própria vida!
Quem diz isto se esquece que nós, além da história
genética que herdamos de nossos pais, com todas suas belezas e misérias,
temos também nossa própria história, escrita com nossas alegrias e
tristezas, nossos medos e coragens, nossos amores e desamores. Temos nossa
memória, museu de tudo quando fomos e sentimos, que é nossa,
particularmente nossa, labirinto sagrado onde ninguém pode penetrar sem
nosso consentimento.
Nós, seres humanos, precisamos olhar mais para
nós mesmos e nos dar conta que é preciso morrer para renascer. É preciso
nos darmos conta que somos efêmeros, transitórios. E que é o efêmero que
nos ajuda a escrever este grande e belo livro que é nossa vida. É o
efêmero que nos dá a dimensão da beleza cósmica, que nos faz perceber, até
na mais pequenina e radiosa mônada, a presença de Deus, o único criador. O
único eterno que não é solitário, pois aceita morrer em cada flor para que
haja o fruto, em cada fruto para que haja a semente, em cada semente para
que haja a árvore. Aceita morrer, porque É a vida.
(25 de
junho/2005) Revista Rio Total, CooJornal no 426
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Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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