Braz Chediak
ROSAS AMARELAS-CAMISOLAS NEGRAS |
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Marcelino era o
tipo do sujeito enjoado. Se, por exemplo, a camisa estivesse mal passada
jogava-a na cama e reclamava aos gritos:
- Cotinha, vê o estado dessa roupa!
E Dona Cotinha corria para passá-la de novo, caprichando nos vincos,
borrifando água de colônia para perfumá-la, embevecida com aquele marido
jovem e almofadinha.
Mas as manias não paravam aí. Na hora do jantar exigia que a mulher
colocasse na mesa toalha de linho branco e, no centro, um vaso de rosas
amarelas. Dona Cotinha fazia-lhe todas as vontades. E os pratos, as
xícaras, os talheres, tudo brilhava para Marcelino.
Um dia Laurinda, amiga de Dona Cotinha desde os tempos de criança, foi
visitá-la e ficou escandalizada com o tratamento que Marcelino lhe dava. E
depois de conversarem sobre a infância, a adolescência, os amigos, o custo
de vida, o Big Brother, etc., Dona Cotinha segredou-lhe que o marido
exigia que ela dormisse, todas as noites, de camisola negra de seda
transparente. Tinha que ser de seda, e transparente. E que, sexualmente,
não lhe dava descanso.
Laurinda, fazendo cara de enfado, observou:
- Deus me livre, não sei como é que você agüenta!
. . .
Daquela visita
em diante, a amizade das duas redobrou. Quando não podia visita-la,
Laurinda telefonava e ficava horas conversando com a amiga. E no meio de
suas confidências, vez por outra falava:
- Deixa de ser boba, arruma uma empregada. Homem a gente tem que tratar
ali!
O certo é que, pouco a pouco, foi fazendo a cabeça de Dona Cotinha. Ela
foi relaxando no trato com Marcelino e quando ele reclamava de alguma
coisa respondia:
- Sou uma só. Não tenho tempo de ficar cuidando de tudo.
E Marcelino começou a ficar nervoso, percebendo que a mulher já não era a
mesma. Começou a chegar tarde em casa, gritando por qualquer coisinha. E
Dona Cotinha respondia na mesma moeda.
Laurinda, sempre apoiando a amiga:
- É isto mesmo. Homem tem que ser tratado ali, no cabresto!
A única coisa que continuava igual era o jantar, e a camisola negra. Mesmo
assim sem o ardor de outrora. Dona Cotinha, às vezes, pensava em
capitular, mas Laurinda instigava:
- Ele entra nos eixos. Ela entra nos eixos!
Até que um dia foi definitiva:
- Tira essas flores da mesa, isto tá parecendo velório. E camisola...
coisa mais cafona, minha filha. Deixa de ser boba!
Na mesma tarde, ao sentar-se para jantar, Marcelino notou que não havia
mais as rosas amarelas. E, à noite, a camisola negra. Seu rosto esquentou,
sentiu coração pulsar, saiu de casa.
Dia seguinte, Dona Cotinha procurou a amiga, chorando:
- Minha vida acabou!
E Laurinda, com um sorriso de desdém:
- Bobagem. Bobagem. Deixa comigo, vou conversar com aquele safado!
De fato, no mesmo dia ela ligou para Marcelino e foi taxativa:
- Preciso falar contigo. Te espero em casa, às 7 horas em ponto. O assunto
é sério!
Marcelino foi, apesar da antipatia que sentia pela amiga da esposa. E,
quando tocou a campainha, ouviu:
- Pode entrar!
Abriu a porta. Sobre a mesa de centro, ele viu um jarro com rosas
amarelas. Vinda do quarto, perfumada e ereta, surgiu Laurinda. Estava
vestida com camisola negra. E de seda. Seda transparente.
(18 de junho/2005)
CooJornal
no 425