18/06/2005
Número - 425


ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK

 

 

Braz Chediak



ROSAS AMARELAS-CAMISOLAS NEGRAS

Marcelino era o tipo do sujeito enjoado. Se, por exemplo, a camisa estivesse mal passada jogava-a na cama e reclamava aos gritos:
- Cotinha, vê o estado dessa roupa!

E Dona Cotinha corria para passá-la de novo, caprichando nos vincos, borrifando água de colônia para perfumá-la, embevecida com aquele marido jovem e almofadinha.

Mas as manias não paravam aí. Na hora do jantar exigia que a mulher colocasse na mesa toalha de linho branco e, no centro, um vaso de rosas amarelas. Dona Cotinha fazia-lhe todas as vontades. E os pratos, as xícaras, os talheres, tudo brilhava para Marcelino.

Um dia Laurinda, amiga de Dona Cotinha desde os tempos de criança, foi visitá-la e ficou escandalizada com o tratamento que Marcelino lhe dava. E depois de conversarem sobre a infância, a adolescência, os amigos, o custo de vida, o Big Brother, etc., Dona Cotinha segredou-lhe que o marido exigia que ela dormisse, todas as noites, de camisola negra de seda transparente. Tinha que ser de seda, e transparente. E que, sexualmente, não lhe dava descanso.

Laurinda, fazendo cara de enfado, observou:
- Deus me livre, não sei como é que você agüenta!

. . .

Daquela visita em diante, a amizade das duas redobrou. Quando não podia visita-la, Laurinda telefonava e ficava horas conversando com a amiga. E no meio de suas confidências, vez por outra falava:
- Deixa de ser boba, arruma uma empregada. Homem a gente tem que tratar ali!

O certo é que, pouco a pouco, foi fazendo a cabeça de Dona Cotinha. Ela foi relaxando no trato com Marcelino e quando ele reclamava de alguma coisa respondia:
- Sou uma só. Não tenho tempo de ficar cuidando de tudo.

E Marcelino começou a ficar nervoso, percebendo que a mulher já não era a mesma. Começou a chegar tarde em casa, gritando por qualquer coisinha. E Dona Cotinha respondia na mesma moeda.

Laurinda, sempre apoiando a amiga:
- É isto mesmo. Homem tem que ser tratado ali, no cabresto!

A única coisa que continuava igual era o jantar, e a camisola negra. Mesmo assim sem o ardor de outrora. Dona Cotinha, às vezes, pensava em capitular, mas Laurinda instigava:
- Ele entra nos eixos. Ela entra nos eixos!

Até que um dia foi definitiva:
- Tira essas flores da mesa, isto tá parecendo velório. E camisola... coisa mais cafona, minha filha. Deixa de ser boba!

Na mesma tarde, ao sentar-se para jantar, Marcelino notou que não havia mais as rosas amarelas. E, à noite, a camisola negra. Seu rosto esquentou, sentiu coração pulsar, saiu de casa.

Dia seguinte, Dona Cotinha procurou a amiga, chorando:
- Minha vida acabou!

E Laurinda, com um sorriso de desdém:
- Bobagem. Bobagem. Deixa comigo, vou conversar com aquele safado!

De fato, no mesmo dia ela ligou para Marcelino e foi taxativa:
- Preciso falar contigo. Te espero em casa, às 7 horas em ponto. O assunto é sério!

Marcelino foi, apesar da antipatia que sentia pela amiga da esposa. E, quando tocou a campainha, ouviu:
- Pode entrar!

Abriu a porta. Sobre a mesa de centro, ele viu um jarro com rosas amarelas. Vinda do quarto, perfumada e ereta, surgiu Laurinda. Estava vestida com camisola negra. E de seda. Seda transparente.
 


(18 de junho/2005)
CooJornal no 425


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br