04/06/2005
Número - 422
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
O galã |
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Ficava horas na frente do espelho, caprichando no penteado. A camisa
impecável, o sapato brilhando, o rosto escanhoado e massageado com Água
Velva, fazia pose de galã ao sair de casa.
Na rua, não podia ver mulher que empinava o peito, levando o cigarro à
boca para exibir a unha comprida, bem tratada, que cultivava no dedo
mindinho.
- É pra coçar o ouvido!, dizia aos amigos.
E a cidade toda sabia de sua fama de conquistador, de suas paixões
fulminantes, de seu orgulho pela unha do mindinho.
Vez por outra procurava o poeta local e comprava-lhe um soneto que, à
noite, recitava com voz ardente, olhar apaixonado, à mulher pretendida.
Era tiro e queda. Nenhuma resistia.
Até que um dia, quando foi comprar creme de barbear, viu Maria Cláudia,
recém casada com Seu Fagundes da Cotia, saindo da drogaria. Foi um choque.
A cor morena, os cabelos negros, o andar de gazela, o olhar altivo, o
rosto belo, fizeram Paulinho babar. Ainda mais porque ela usava um vestido
preto, cor que era sua tara.
Daquele dia em diante seu comportamento mudou. Toda manhã, logo que Seu
Fagundes ia para o trabalho, ele corria à Cotia e ficava horas passando
diante do sítio da mulher na esperança de vê-la na janela.
Pouco a pouco os vizinhos começaram a comentar. Pouco a pouco a cidade
ficou sabendo da paixão de Paulinho por Maria Cláudia. E ela, quando
passava por ele, não respondia aos cumprimentos, virava-lhe a cara, andava
mais depressa.
Com o desdém, a paixão aumentou. Sentindo-se desprezado se tornou mais
atrevido:
- Seu orgulho a terra come, malvada!, cochichava ao passar por ela.
. . .
Uma tarde, na Exposição Agropecuária, enquanto olhava o gado nelore,
percebeu que Maria Cláudia passava sozinha e, num lance de coragem,
abordou-a. Convidou-a para uma cerveja, era só um papinho para se
conhecerem...
A mulher ficou vermelha, sentiu ódio, quis fugir. Paulinho a seguiu,
insistente. De repente ela parou e falou à queima-roupa:
- Te espero amanhã lá em casa. Ao meio dia!
E se afastou depressa.
. . .
Paulinho não dormiu à noite. No dia seguinte, rosto escanhoado, roupa
nova, chegou ao Sítio de Seu Fagundes com o coração disparado.
Maria Cláudia, que o esperava, fez-lhe um sinal. Paulinho entrou na casa
com as pernas trêmulas de emoção e desejo. Aproximou lentamente, talvez
para apertar a mão da mulher, talvez para roubar-lhe um beijo, quando ela
chamou:
- Fagundes, seu Paulinho tá aqui!
A boca ficou fria. Pensou em sair correndo, mas ficou paralisado com a
entrada do marido na sala. Quis balbuciar uma desculpa mas Seu Fagundes o
cortou:
- Pois é, Seu Paulinho. A patroa me falou que o senhor que me comprar a
boiada!
Não teve alternativa. Falou um “é” fraco, quase inaudível. E Seu Fagundes,
pegando-o pelo braço levou-o até o quintal e mostrou a “boiada”: 5
vaquinhas magras, bernentas, cheias de carrapatos.
- É 1000 reais cada uma. Pode pagar em cheque e levar elas agora.
E apalpando o revólver sob o paletó:
- O cheque eu desconto hoje. E se não tiver fundo já sabe. Te mato.
Levou Paulinho até a sala e estendeu-lhe uma caneta. E enquanto ele
preenchia o cheque, mãos tremendo, seu Fagundes estendeu-lhe uma
tesourinha e falou:
- E corta essa unha do mindinho. Que pra mexer com meu gado tem que ser
macho. E macho não usa unha comprida!
E enquanto Paulinho, chorando, cortava a unha, Seu Fagundes completou:
- Agora vai. E quero que ande com o gado na cidade inteira. Rua por rua. E
fala pra todo mundo que comprou de mim.
E a cidade viu Paulinho percorrer a Cotia, atravessar a ponte, chegar ao
centro, gritando:
Eh, vacaaaa! Eh, vacaaaa!
E atrás, a cavalo, Seu Fagundes tocando o berrante:
- Voooommmmm. Voooommmm. Vooooommmmm!
(04 de junho/2005)
CooJornal
no 422
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br
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