14/05/2005
Número - 420

 

 

Braz Chediak



PALAVRAS

Gosto de ler dicionários. É gostoso descobrir uma palavra nova e pronunciá-la em voz alta sentindo-lhe a sonoridade.

Mônada, por exemplo. Conheci uma pessoa com esse nome, dublê de cenas perigosas na TV e bela mulher. Mas foi quando vi a palavra no dicionário que me emocionei. Mônada é uma substância simples, sem partes. Ou seja, a menor partícula existente no universo. Será possível imaginá-la, sem nos sentirmos uma pequena parte do Cosmo?

Fico comovido quando encontro uma palavra antiga, já em desuso no cotidiano, e tenho certeza que ela está ali guardada e que, enquanto houver dicionários e curiosos, ela estará viva.

As palavras fazem parte de nossa história. Recordo-me, por exemplo, de meu pai quando ouço “semblante”. Chego a ouvir sua voz, quando vejo uma jovem de feições suaves:

- Ela tem um semblante bonito!!!

A voz de minha avó paterna ficou em minha memória por uma frase: “benza Deus.” Me recordo dela, na janela de sua casa na Rua da Cotia, dizendo alegre quando via uma criança gorduchinha:

- Benza Deus!

Era o padrão estético da época.

Saudade é uma palavra especial. Desde nossa casa, nossa rua, nossa cidade... até no mais distante país do mundo - principalmente no mais distante país do mundo - nós temos saudade e ela não pode ser expressa em nenhum outro idioma a não ser o nosso.

“Saudade meu bem saudade / saudade do meu amor / foi-se embora não disse nada / nem uma carta deixou...”

Esta quadrinha faz parte de uma música que ouvi ainda criança, cantada por Vanja Orico no filme “O cangaceiro”. Nunca mais a esqueci. E sempre sinto saudades quando a ouço.

Às vezes fico pensando que, se pudesse, montaria uma loja de palavras e seria eu mesmo o balconista. Vocês já imaginaram a alegria, a ternura, ao ver uma criança entrar e pedir:

- Braz, me dá 3 semblantes e um carinho bem grande!?

Em minha loja haveria, também, uma prateleira especial com nomes femininos: Ana Maria, Ana Lúcia, Maria Inês, Maria de Nazareth... Meu Deus, há quantos anos não vejo nenhuma mulher chamada Maria de Nazareth. E Laura? Laura andou sumida por uns tempos. Agora está voltando. Conheço duas ou três Lauras. Todas belas. Recentemente conheci outro nome feminino: Zoé. E como é bonita a Zoé!

Dos nomes masculinos, Adolfo entrou em desuso depois do famigerado Hitler. Sebastião virou Bastião, depois Tião, e quase não o encontramos mais. E meu próprio nome, Braz, sumiu do mapa ou porque esquecemos o bom Machado de Assis e suas Memórias Póstumas... ou porque ninguém engasga mais.

Que bom seria ter uma prateleira de ternura, outra de afeto, outra de amizade.

Claro, tomaria cuidado com algumas palavras que ficariam guardadas a sete chaves e que só seriam usadas para que os mais jovens soubessem que elas existiram, como por exemplo: mentira,traição, fome, droga, crime, etc. Mesmo assim, eu colocaria um aviso bem grande, em letras garrafais, alertando que a culpa não foi das palavras, mas dos homens, de alguns homens.

Em frente à minha loja, uma placa luminosa convidaria a todos os que passam: Entrem irmãos. Troquem comigo uma palavra amiga.

Tenho certeza que me atenderiam. E então uniríamos nossas vozes e faríamos uma grande oração, uma grande música em cuja letra apareceriam, em todos os versos, a palavra Amor e a palavra Paz.


(14 de maio/2005)
CooJornal no 420


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br