30/04/2005
Número - 418




 

Braz Chediak



PIZZA DE CEBOLA

Quando saiu do trabalho comeu um pedaço de pizza de cebola. Chegou em casa e a mulher amarrou a cara. Quis fazer um carinho, ela o empurrou:

- Tira esse bafo de cima de mim!

No jantar não trocaram palavra e quando, de pijama listrado, ligou a televisão para ver a novela ela foi para o quarto, batendo a porta.

Dia seguinte tentou o diálogo:

- Vem cá, vamos deixar de briga!

Quis abraçá-la, forçou a barra, e ela o empurrou com violência:

- Tira a mão de mim. De hoje em diante nunca mais me encosta um dedo. Ou volto pra casa de meu pai!

. . .

Nunca mais comeu cebola. Escovava os dentes oito vezes por dia. Antes de chegar em casa, por via das dúvidas, mastigava um dropes de hortelã. E nada. Dormiam em quartos separados, não trocavam uma palavra. Achando que tinha as pernas finas, não mais vestia o pijama listrado para ver televisão.

Um mês depois procurou o Edyl, que trabalhava na câmara municipal, era bom conselheiro, e explico-lhe a situação. O amigo o aconselhou:

- Quem sabe, uma viagem? Um mês de férias não faz mal a ninguém.

. . .

Viajou sozinho, a mulher ficou na casa dos pais. Quando voltou a encontrou mudada: comprara sapatos novos, vestia-se combinando as cores, o rosto, agora com um leve toque de rouge, estava radiante.

Mal viu o marido a boca, realçada por batom vermelho, abriu-se num sorriso. Jogou-se em seus braços e o beijou com um longo beijo. Naquela noite jantaram à luz de velas.

Dia seguinte chegou ao emprego descansado pela longa noite de amor, grato ao amigo Edyl.

. . .


Sua vida mudou. A esposa carinhosa o fez outro homem. Vestia-se melhor, fazia ginástica para engrossar as pernas, usava acetol de hortelã e, na roda de amigos, não cansava de elogiar a companheira:

- É uma grande mulher. Uma grande mulher!

Como gastava o dinheiro com presentes à esposa – um perfume, um corte de cetim, uma caixa de sabonetes... – começou a fazer hora extra.

- Minha mulher merece! – exclamava -. Minha mulher merece!

. . .

Tanto trabalho, a saúde foi declinando. Uma noite sentiu-se mal no plantão. Foi para casa mais cedo.

Ao chegar não conseguiu abrir a porta: estava trancada por dentro. Ia tocar a campainha quando ouviu conversas e risos na cozinha. Deu a volta à casa e espiou pela fresta na janela. Sentada na mesa a mulher, de baby doll, abria a boca para um pedaço de pizza que o Edyl, de pijama – o seu pijama listrado – lhe dava. Pizza de cebola.

Sentiu o mundo rodar. Saiu correndo, enfurecido. Entrou na mercearia da esquina e, pulando o balcão, arrancou uma réstia de cebola pendurada num prego e começou a comer com fúria.

Comeu uma, duas, três cebolas e ninguém entendeu as lágrimas que corriam.

Lágrimas de cebola, pensaram.



(30 de abril/2005)
CooJornal no 418


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br