Braz Chediak
PIZZA DE CEBOLA |
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Quando saiu do
trabalho comeu um pedaço de pizza de cebola. Chegou em casa e a mulher
amarrou a cara. Quis fazer um carinho, ela o empurrou:
- Tira esse bafo de cima de mim!
No jantar não trocaram palavra e quando, de pijama listrado, ligou a
televisão para ver a novela ela foi para o quarto, batendo a porta.
Dia seguinte tentou o diálogo:
- Vem cá, vamos deixar de briga!
Quis abraçá-la, forçou a barra, e ela o empurrou com violência:
- Tira a mão de mim. De hoje em diante nunca mais me encosta um dedo. Ou
volto pra casa de meu pai!
. . .
Nunca mais
comeu cebola. Escovava os dentes oito vezes por dia. Antes de chegar em
casa, por via das dúvidas, mastigava um dropes de hortelã. E nada. Dormiam
em quartos separados, não trocavam uma palavra. Achando que tinha as
pernas finas, não mais vestia o pijama listrado para ver televisão.
Um mês depois procurou o Edyl, que trabalhava na câmara municipal, era bom
conselheiro, e explico-lhe a situação. O amigo o aconselhou:
- Quem sabe, uma viagem? Um mês de férias não faz mal a ninguém.
. . .
Viajou sozinho,
a mulher ficou na casa dos pais. Quando voltou a encontrou mudada:
comprara sapatos novos, vestia-se combinando as cores, o rosto, agora com
um leve toque de rouge, estava radiante.
Mal viu o marido a boca, realçada por batom vermelho, abriu-se num
sorriso. Jogou-se em seus braços e o beijou com um longo beijo. Naquela
noite jantaram à luz de velas.
Dia seguinte chegou ao emprego descansado pela longa noite de amor, grato
ao amigo Edyl.
. . .
Sua vida mudou. A esposa carinhosa o fez outro homem. Vestia-se melhor,
fazia ginástica para engrossar as pernas, usava acetol de hortelã e, na
roda de amigos, não cansava de elogiar a companheira:
- É uma grande mulher. Uma grande mulher!
Como gastava o dinheiro com presentes à esposa – um perfume, um corte de
cetim, uma caixa de sabonetes... – começou a fazer hora extra.
- Minha mulher merece! – exclamava -. Minha mulher merece!
. . .
Tanto trabalho,
a saúde foi declinando. Uma noite sentiu-se mal no plantão. Foi para casa
mais cedo.
Ao chegar não conseguiu abrir a porta: estava trancada por dentro. Ia
tocar a campainha quando ouviu conversas e risos na cozinha. Deu a volta à
casa e espiou pela fresta na janela. Sentada na mesa a mulher, de baby
doll, abria a boca para um pedaço de pizza que o Edyl, de pijama – o seu
pijama listrado – lhe dava. Pizza de cebola.
Sentiu o mundo rodar. Saiu correndo, enfurecido. Entrou na mercearia da
esquina e, pulando o balcão, arrancou uma réstia de cebola pendurada num
prego e começou a comer com fúria.
Comeu uma, duas, três cebolas e ninguém entendeu as lágrimas que corriam.
Lágrimas de cebola, pensaram.
(30 de abril/2005)
CooJornal
no 418