16/04/2005
Número - 416

- Ana Cristina Cesar
- Crônica e ponto final
- É tão sublime o amor
- Juramento de Hipócrates
- Leila Diniz
- O gol é uma lágrima de saudade
- O rabo do saci
- Os melhores contos de medo, amor e morte
- Uma velha agenda
- Vida de cachorro


 

Braz Chediak



O CANOEIRO

Ontem, ao passar pela ponte sobre o Rio Verde, vi um canoeiro descendo suas águas e pensei em como ele, o rio, seria antes de nossa cidade existir, antes de ser navegado pelo primeiro homem branco. Imaginei uma grande paisagem verde, cheia de sons e de luzes, como se fora uma paisagem espacial e lá, bem no centro, uma canoa parecida com aquela que eu estava vendo, também conduzindo um pequeno navegante. Mas era apenas imaginação, pois na realidade somos viajantes distraídos e não conhecemos nem mesmo nosso lugar, nosso ponto de partida.

À noite, lendo os jornais, encontrei uma pequena notícia dizendo que “Uma nova classe de planetas foi encontrada orbitando estrelas próximas ao nosso Sol, em um possível grande avanço na pesquisa de planetas parecidos com a Terra capazes de abrigar vida...”

Era uma notícia sem destaque, mas que me deixou fascinado e comovido. Fascinado ao imaginar o que deve um cientista sentir ao descobrir um corpo luminoso que existe há milhões e milhões de anos e que pode trazer vida em sua superfície. Será como a visão de uma criança que, ao nascer, abre os olhos pela primeira vez? Ou como a visão que teremos na hora de nossa Morte? Não sei.

Fiquei comovido ao imaginar aquele pequeno ponto se movimentando no espaço, da mesma maneira que nosso planeta caminha, sem saber que está sendo observado nesta marcha cósmica em direção ao grande OM, em direção a Deus.

E foi com estes sentimentos que pensei novamente em nosso Rio Verde e seu canoeiro e me lembrei da música de Caetano Veloso:
Por mais distante o errante navegante / Quem jamais te esqueceria / De onde nem tempo e nem espaço, / Que força de mãe coragem / Pra gente te dar carinho, / Durante toda a viagem / Que realizas do nada, / Através do qual carregas /  O nome da tua carne / Terra, terra..

Terra de onde, através de telescópios poderosos, buscamos nos compreender observando outros mundos. Visão fantástica que talvez seja apenas um fragmento da visão que Cristo teve e o levou a formular sua doutrina e nos transmiti-la e nos ensinar sua belíssima oração, o Pai Nosso, para que nos lembremos que um dia estaremos nesse reino, talvez como energia pura, talvez como um grão de poeira, mas obedecendo à eterna Lei, nos movimentando e nos transformando continuamente, por todo o sempre. A mesma terra que hoje nos oferece como companheiros de viagem animais, aves e plantas, rios e mares, idiomas, costumes e cerimônias, sons, cores e fragrâncias.

Nós temos um planeta azul e uma visão de outros planetas coloridos, mas quase não percebemos isto, como quase não percebi aquele canoeiro e aquela pequena notícia que agora me levam a escrever esta crônica. E por não percebermos estas coisas pequeninas nós as estamos perdendo.

Mas, quem sabe um dia ao vermos nosso pequeno Rio Verde construiremos nossa própria canoa e iniciaremos, também, nossa viagem?

Talvez neste dia diremos, como T.S.Eliot: “...E ao final de nossas longas explorações chegaremos ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez...”




(16 de abril/2005)
CooJornal no 416


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br